10 October 2008

PARA FORA
(retomando daqui)



Sainkho - Out Of Tuva

Dizemos o quê quando falamos de world music, rock, jazz, folk, pop ou música contemporânea? A verdade nua e crua é que, hoje, para o que, de facto, importa, não falamos literalmente de nada. Pelo menos, não falamos de nada realmente substancial que seja capaz de resistir a uma análise metódica. Não terá sido sempre assim: houve um tempo em que não só cada uma dessas categorias como as suas diversas associações (jazz/rock, folk/rock, jazz/folk...) ainda faziam plenamente sentido. Mas cada vez mais se torna insustentável persistir nos velhos hábitos de arrumação musical. Sem pretender ser insanamente radical, é claro que, mesmo agora, não será sempre tão nítida essa pulverização dos antigos conceitos. No entanto, é mais do que evidente a persistente acumulação de discos que não oferecem outra alternativa que arremessar todos os velhos vícios mentais às urtigas e nos convidam a encarar a música como um único fenómeno, com naturais facetas e particularidades mas que são inclassificáveis em qualquer das gavetas estéticas que a preguiça intelectual tão eficazmente forrou.



Out Of Tuva, o disco da sul-siberiana Sainkho Namtchylak, não podia ser mais eloquente na exibição da plasticidade de uma música que, originária da república de Tuva, aceitou sem perdas todas as filtrações e reformulações que os tormentos estético-políticos da sua autora foram determinando, entre os anos de 1986 e 1983, período que documenta. Propondo, na origem, uma interpenetração de elementos tradicionais (inspirados no folclore religioso e xamânico local, politicamente incorrecto para as autoridades soviéticas da altura) com um vocabulário musical contemporâneo, todo o disco reproduz esse percurso de avanços e recuos, até à actualidade.



Passa pelas diversas etapas, da música popular às presentes colaborações com Hector Zazou, com capítulos intervalares nas gravações com orquestra ou com o colectivo experimental de Moscovo, Tri-O, em qualquer dos casos demonstrando a exuberante energia de uma música de matriz vocal que nunca se sabe quando é mais vibrantemente expressiva: se nas explorações atmosféricas que o contacto mais recente com o universo da Crammed Records lhe proporcionou (Zazou e os produtores Vincent Kenis e Gilles Martin), se no contágio de voz e instrumentos à beira do ruído hipnótico com os Tri-O, se no folclorismo - alucinantemente puro ou sofisticado na componente orquestral - que as primeiras gravações oferecem. Qualquer deles, porém, aproxima os movimentos vocais de Sainkho de outros que ouvimos a Meredith Monk ou Diamanda Galás e faz pensar numa certa continuidade oculta entre a memória de todas as tradições e o horizonte futuro para que outras pós-vanguardas apontam. Out Of Tuva é para ser lido à letra: para fora, em direcção ao resto do mundo, aberto a todos os cruzamentos imagináveis.

(1993)

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