02 October 2008

O ROSTO DO JAZZ (I)



Jazz Covers - Joaquim Paulo (autor) e Julius Wiedemann (editor)

São 650 capas de álbuns de jazz, dos anos 40 aos 90 do século passado, seleccionadas de uma colecção de discos que totaliza cerca de 25 000 títulos. Joaquim Paulo, profissional de rádio e consultor de diversas editoras, desde há vários anos que trazia na cabeça o projecto de as reunir todas em livro e vê-lo publicado. Acabou por enviá-lo à Taschen e, uma manhã, pelas oito horas, o próprio Benedict Taschen lhe telefonava a dar a luz verde para que o processo avançasse. Já concluído e prestes a chegar às livrarias, será o primeiro tomo a que se seguirá um previsto segundo e ainda mais dois: um em torno do funk e da música negra dos anos 60 e 70 e outro sobre a bossa-nova e o início do Tropicalismo.

Dar a conhecer tesouros de colecção é um vício de coleccionador?
Eu não tenho um lado de coleccionador. Comecei a comprar discos, a sério, por volta dos meus quinze anos, por influência de um primo. Mas nunca senti que deveria ter todos os discos do Miles Davis ou do John Coltrane. Deles, tenho os discos de que gosto muito. Alguns compro e nunca mais oiço, se não gosto mesmo. Não tenho esse espírito de querer ter tudo, de andar atrás do mais raro e obscuro com prensagem indonésia... tive sorte de encontrar discos raros, hoje são discos valiosos, muito procurados, mas, na altura, foi meramente uma questão de ouvir, gostar muito e comprar.


design de Jim Flora, 1954

Mas, no que diz respeito ao encanto pelas capas dos álbuns, esse espírito estaria um pouco presente...
Sim, um pouco. O mais difícil neste projecto foi tentar conciliar a raridade do disco, a sua importância histórica e que, graficamente, fosse bonito e tivesse uma história interessante para contar. Tentei incluir bastantes discos de alguns designers que foram muito importantes na história gráfica do jazz (Jim Flora, Alex Steinweiss), pensando também num contacto com eles para que me pudessem contar alguma coisa da história como tudo aconteceu, muitas vezes, a propósito de editoras que, na altura, eram muito pequeninas e, depois, se tornaram muito grandes, como é caso do Bob Ciano, da CTI e da Verve.

Foi fácil chegar à fala com todas essas personagens?
Não, a parte mais complicada foi, precisamente, encontrar algumas dessas pessoas que ainda estão vivas. Falei com o Steinweiss e o Ciano, mas a minha grande frustração – foi quase uma história de detective – acabou por ser não ter conseguido encontrar o Robert Flynn que desenhou todas as capas da Impulse. Falei com o Creed Taylor, fundador da Impulse, para tentar perceber quem era o Robert Flynn mas ele também não sabe quem ele era o que é uma coisa curiosa... mais tarde, vim a saber que a Impulse entregava o design das capas a uma empresa externa e que o Flynn seria o designer que estava mais à mão. Houve alguma dificuldade em encontrar outras pessoas como o Alex Steinweiss, que foi quem se encarregou do design dos primeiros discos de jazz. Tem já quase noventa anos e fui descobri-lo na Florida, um senhor muito simpático e com histórias incríveis. Estive algum tempo nos EUA, a entrevistar alguns produtores como o Michael Cuscuna, o Rudy Van Gelder... com o Van Gelder foi muito difícil falar, é uma pessoa muito fechada e reservada mas foi uma experiência extraordinária entrar no estúdio dele onde gravaram todos os clássicos da Blue Note. Contou-me algumas histórias como, por exemplo, quando me mostrou o canto onde o Coltrane tocava, de costas, porque não gostava de olhar para os outros músicos.


design de Bob Ciano, foto de Pete Turner, 1976

Este livro é apenas um inventário de algumas centenas de capas de álbuns de jazz ou está estruturado tematicamente?
Comecei por tentar organizá-lo de forma temática, por designer ou por editoras mais importantes. Mas chegámos rapidamente à conclusão que seria completamente caótico e impossível de estruturar dessa forma e optámos pela organização alfabética. Aparece cada disco com uma história à volta do trabalho gráfico.

Do ponto de vista do design das capas, no âmbito do jazz, quais lhe parece serem os traços mais marcantes?
É impossível passar ao lado do Francis Wolff e do Reid Miles, da Blue Note. Depois, explorei algumas editoras completamente marginais mas que, graficamente, tiveram um impacto muito grande, até pelo contexto histórico. Nomeadamente, algumas como a Strata-East ou a Black Jazz que estavam muito ligadas aos movimentos negros dos anos 70, aos Panthers. Graficamente, são capas muito fortes e com histórias muito interessantes... eram agrupamentos de artistas que viviam em comunidade e que produziam aqueles objectos de forma quase artesanal. Foi interessantíssimo falar com alguns músicos como o Charles Tolliver que tiveram um papel activo nessas editoras.


design de Reid Miles, foto de Francis Wollf, 1960

Existia algum poder de intervenção ou, pelo menos, de fazer sugestões, dos músicos relativamente ao carácter das capas dos álbuns?
A Impulse foi o caso que mais me espantou: como é que uma editora que tinha uma imagem gráfica tão forte entregava essa tarefa a uma empresa de design que recebia as fotografias do Charles Stewart e tratava de tudo?... O Creed Taylor preocupava-se era com a distribuição dos discos. O caso mais curioso é o do Alex Steinweiss, o primeiro grande designer do jazz. Inicialmente, trabalhava com a Columbia mas adquiriu um estatatuto tão importante (até por colaborar também com a “Esquire”) que conquistou a sua liberdade criativa. E eram todos grandes amantes do jazz, iam aos concertos, falavam com os músicos, andavam pelos estúdios, compreendiam muito bem a linguagem do jazz, não eram meros executantes.

(2008)

3 comments:

Anonymous said...

Não sei se conheces este site:

http://lpcoverlover.com/

Dava uns livros excelentes para a taschen.

Este de jazz parece-me muito bem, a ver se aparece por aqui.

Manuel said...

Vai ficar ao lado do “The Cover Art of Blue Note” editado em 1997 pela Collins & Brown.

Pelo que vejo reeditado em 2002 http://www.jazzscript.co.uk/books/artbluenote.htm

Manuel Carvalho

Bill Flynn said...

My uncle Robert Flynn died of cancer around Christmas 1970, at the age of 45. Some of his credits may be found here -
http://www.artistdirect.com/artist/credits/robert-flynn/911472

Unfortunately, his credits get mixed up with the guitarist for Machine Head, who is not related to our family.