12 October 2008

ELE É TANTOS OUTROS



Bob Dylan - Tell Tale Signs: Bootleg Series Vol 8

O conceito das Bootleg Series, de Bob Dylan – iniciado em 1991 com os preciosíssimos Vol 1-3 – data de um tempo em que a indústria discográfica ainda imaginava ser possível derrotar os corsários do “bootlegging” no seu próprio terreno. Por outras palavras, tinha aprendido a lição das Basement Tapes, que, durante anos, haviam circulado clandestinamente até que, por fim, a edição oficial fizesse o enorme favor de ser publicada. Embora a conta-gotas, todo o espólio oculto de His Bobness iria sair dos arquivos, não existindo mais razões para que meliantes actuando na sombra delinquente da ilegalidade pudessem prosseguir a sua pérfida acção. Hoje, sabemo-lo bem, não só o mundo, tal como o conhecemos, está em vertiginosa extinção mas também a indústria discográfica se encontra no mesmo estado dos cadáveres que, embora clinicamente mortos, porque unhas e cabelo continuam a crescer, aparentam estar vivos.



Só isso poderá explicar que (num momento em que a cotação de Dylan é mais elevada do que em qualquer outra altura posterior à década de 60), ao mesmo tempo que, semanas antes da publicação de Tell Tale Signs pela Sony/BMG, o álbum já se encontrava disponível nos “dealers” habituais da Net, a editora anuncie a colocação no mercado de uma versão tripla “de luxo” a preço próximo dos 150 €. Será ou não um caso de “world gone wrong” mas, no que à obra de Dylan diz respeito, pagando na caixa registadora ou vendo-o cair no colo, gratuitamente, via “download”, só lhe podemos ficar gratos. Reunindo “rare and unreleased material” do período entre Oh Mercy (1989) e Modern Times (2006), deparamos com um verdadeiro cofre de jóias acumuladas a partir daquele momento em que, como descreve nas suas Chronicles (“Inúmeras vezes, quando me abeirava do palco, antes de um concerto, parava e pensava que não estava a cumprir a palavra que, a mim mesmo, havia dado. Qual era essa palavra, não me conseguia recordar precisamente, mas sabia que, algures, havia uma. (...) Uma pessoa estava desaparecida dentro de mim e eu necessitava de a encontrar. (...) Era um trovador dos anos 60, uma relíquia do folk-rock, um artesão da palavra de tempos idos, um chefe de estado fictício de um lugar que ninguém conhece. Estava no poço sem fundo do esquecimento cultural”), se apercebeu de que se tinha tornado numa sombra de si mesmo e decidiu, uma vez mais, reinventar-se.



Se todos os álbuns, daí em diante, cumpriram integralmente a promessa, as diversas “outtakes”, inéditos (só a gigantesca "Red River Shore" justificaria a totalidade do álbum se fosse - não é - necessário) e releituras de temas das duas últimas décadas revelam inúmeras outras facetas, abordagens e pontos de vista que, num assombroso sumário da obra destes anos debruçada sobre "this vision of death called life", obrigariam Todd Haynes, a construir-lhe mais meia dúzia de personalidades paralelas para uma "sequel" de I’m Not There.

(2008)

No comments: