09 July 2008

EM ALTA-FELICIDADE

Algures em 2004, Marc Colin e Olivier Libaux tiveram a visão de uma jovem brasileira a cantar "Love Will Tear Us Apart", dos Joy Division, à beira do mar de Copacabana, nos anos 60. A visão autojustificou-se através de uma engenhosa sequência de sinónimos (bossa-nova = new-wave = nouvelle-vague) e, entoada no sotaque de Jean-Luc Godard e com o balanço de Jobim, pudemos escutar uma mão-cheia de canções dos Depeche Mode, Clash, Dead Kennedys, XTC, Undertones, Tuxedomoon, PIL, Sisters Of Mercy, Cure, Modern English, Killing Joke, Specials (e, claro, dos Joy Division), pelas vozes tépidas de Camille, Eloisia, Marina, Mélanie Pain, Siljia e Daniela D'Ambrosia. O género de néctar tipicamente estival que, não só teve o mérito de demonstrar como a expressão "música dos anos 80" (para além da referência cronológica) não significa rigorosamente nada, como se converteu no termoregulador de eleição dos momentos mais abrasadores de 2004.


Nouvelle Vague - "Dance With Me"
(Lords Of The New Church) + Bande à Part
(real. Jean Luc Godard):
poderia perfeitamente figurar aqui


Agora, quando o pesadelo "vaga de calor do norte de África" ameaça reentrar no vocabulário, a segunda investida dos Nouvelle Vague chega (não, certamente, por acaso) na altura exacta e — acreditemos no "remake" da ficção original — por via de uma outra revelação: um moço jamaicano, dedilhando à guitarra, na sua "township" de Kingston, "Heart Of Glass", dos Blondie. Reforçando a associação de conceitos inicial, o título (Bande à Part, já antes surripiado para o nome da produtora de Quentin Tarantino) é ostensivamente tomado de empréstimo a um Godard de 1964 mas a prateleira dos condimentos alarga-se para, além da bossa, incluir também a salsa, o calipso, o ska, o rocksteady e, naturalmente, o reggae.



Judiciosa e criteriosamente aplicados a "Killing Moon", dos Echo & The Bunnymen, "Ever Fallen In Love", dos Buzzcocks, "Bela Lugosi's Dead", dos Bauhaus, "Blue Monday", dos New Order, e a vários outros menos previsíveis dos Lords Of The New Church, Yazoo, Billy Idol, The Wake, Cramps, Sound, Heaven 17, Visage e Blancmange. Virou fórmula sazonal destinada a ser posta em prática, todos os anos, por esta altura? Com o aquecimento global a ajudar, é provável que sim. Mas, no capítulo das coisas fáceis, leves e frívolas, concebidas para serem exclusivamente escutadas em aparelhagens de Alta-Felicidade, há que reconhecer que não existe poção muito melhor.



Uma rápida revisão da matéria, no entanto, faz-nos descobrir que a receita foi inventada já há um bom par de décadas, em Camino Del Sol, das Antena, La Varieté, dos Weekend, e considerável descendência jazz-cool-pop-bossa que, dessas sementes, decorreu. Pelo que se pode dizer que não faltará autoridade e legitimidade histórica ao "come back" de Toujours Du Soleil ("14 chansons bossa/samba/electro avec percussions latines et Moog tropicalia"), embora faça lembrar demasiado e com um atraso um tanto ou quanto embaraçoso, o "cocktail-jazz" de Sade e discípulos afins, por parte de quem (Isabelle Powaga/Antena) deveria, sim, reivindicar os pergaminhos de fundadora do género. As reedições de The Prince Of Wales, Cardiffians, Tidal Blues e The Shady Tree (de Alison Statton com Ian Devine e Mark "Spike" Williams), por outro lado, ajudam a reconstituir o percurso de Statton pós-Young Marble Giants e pós-Weekend, entre a pop mais leve que o ar, as quase "nursery-rymes" de jardim infantil, uma ou outra partícula de vapor tropical, os bordados acústicos, a grelha minimal, a aguarela sonora impressionista e (em The Shady Tree) as especulações esotérico-matemáticas. Para a temível canícula que se avizinha, recomendam-se, muito especialmente, os dois primeiros.

(2006)

4 comments:

margarete said...

os NV fazem parte da minha banda sonora "para quando ando com a neura"

João Lisboa said...

Recomendados pelos melhores terapeutas.

margarete said...

sem resistir ao trocadilho... Recomendados para os melhores terapeutas.


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João Lisboa said...

éleóéle