16 July 2008

AVALANCHE



Se os doze meses que se concluem no próximo Outubro podem, de certo modo, ser considerados o "ano Bob Dylan", existem muito boas razões para desejar que os próximos doze se transformem no "ano Leonard Cohen". Não apenas porque, assim, os dois autores maiores da canção "literária" do outro lado do Atlântico veriam, numa perfeita sequência, o reconhecimento mundial e definitivo da sua obra, mas também pelo urgentíssimo motivo de que Cohen (que completou 71 anos na passada quarta-feira) necessita disso como de pão para a boca. Literalmente. Um complexo processo judicial que envolve a sua manager de há muitos anos, Kelley Lynch e o seu "investment advisor", Neal Greenberg, trouxe à superfície a terrível constatação de que a conta de 5 milhões de dólares que Cohen supunha possuir estava reduzida a 150 000 e nem a esse dinheiro tinha acesso para liquidar compromissos fiscais largamente superiores.



Os detalhes da alegada burla são, naturalmente, intrincados e sórdidos, Cohen terá já até sido obrigado a hipotecar a sua residência, mas, em pleno centro do furacão, aparentemente tranquilo, ele limita-se a dizer "Compreendo suficientemente bem o modo como o mundo funciona para saber que coisas destas acontecem. Vou começar de novo aos 70 anos" e a rematar com um aforismo da sua filosofia privada: "Se pusermos as coisas para trás das costas, elas desaparecem". Para isso, contribuirão, decerto, a publicação, no início do próximo ano de um novo álbum seu, de outro — Blue Alert — com Anjani Thomas, da colecção de poemas, The Book Of Longing, há anos anunciada, dos dois CD integralmente dedicados ao seu reportório interpretados por Judy Collins (que o "revelou" ao interpretar "Suzanne") e Perla Batalla, recentemente editados, de um DVD e um "world tour". O último poema que colocou no site leonardcohenfiles, "Never Mind", termina assim: "I could not kill the way you kill, I could not hate, I tried, I failed, no man can see the vast design, or who will be last of his kind, the story's told with facts and lies, you own the world, so never mind".


(2005)

5 comments:

Nunes said...

"Compreendo suficientemente bem o modo como o mundo funciona para saber que coisas destas acontecem."

Como eu li algures na imprensa estrangeira, trata-se de um equivalente zen de "shit happens".

Anonymous said...

«os dois autores maiores da canção "literária" do outro lado do Atlântico»

Se o sentido que o João Lisboa pretende dar é o de serem mesmo os dois maiores autores, será, talvez, uma injustiça esquecer o Lou Reed. O «The Raven» (de 2003), por exemplo, tem um pendor bem literário e tanto o Dylan como o Cohen há muito tempo que não publicam um disco desta envergadura (apesar do Dylan ter renascido das cinzas. O Cohen nem por isso).

João Lisboa said...

1) Como já expliquei uma vez, ao abrigo da lei de liberdade de religião, declaro que o Leonard Cohen nunca fez nem fará um mau disco. Aqui e ali, até parece que isso poderia ter acontecido. Mas, não, são os nossos ouvidos que, possuídos por Forças Malignas, nos iludem;

2) O Lou Reed, claro que sim. Mas, se o Cohen é da ordem da veneração, da puríssima fé irracional, da prostração imensa aos pés da Divindade, o Lou Reed é "apenas" um songwriter (entre outras coisas) do caraças.

Anonymous said...
This comment has been removed by the author.
Anonymous said...

In nomine Patris et fillii et Spiritus Sancti