30 June 2008

MARY MARGARET O'HARA




Capturada aqui e porque voltou a ser, recentemente, referida aqui. Apenas pretextos. Completamente desnecessários. (2008)

29 June 2008

28 June 2008

ACADEMIA: ART & SOUL



My Brightest Diamond - A Thousand Shark’s Teeth




Joan As Police Woman - To Survive

Quando, há dois anos, foi publicado Bring Me The Workhorse, de Shara Worden/My Brightest Diamond, e, em simultâneo, Begin To Hope, de Regina Spektor, os pontos comuns da biografia de ambas permitiram que, sem esticar demasiado a lógica, os dois álbuns fossem tratados no mesmo texto. Uma e outra provinham de famílias musicais e, com currículo académico de conservatório (estudo da música de Purcell e Debussy na University of North Texas e aulas de canto operático em Nova Iorque para Worden, e, da Moscovo natal aos Purchase College e Manhattan School Of Music, uma licenciatura em piano, no caso de Spektor), tinham acabado por se dedicar a variantes distintas do idioma pop/rock, demonstrando como não é uma fatalidade que a atmosfera erudita das salas de aula conduza à amputação de uma criatividade menos universitariamente configurada.



Também por essa altura, em 2006, era editado Real Life, o álbum de estreia de Joan Wasser (aliás, Joan As Police Woman), outra ilustre frequentadora daquelas instituições cujas paredes transpiram a tradição clássica europeia: aulas de piano desde os seis anos e de violino a partir dos oito, prosseguidas na Universidade de Boston (sob a orientação de Yuri Mazurkevich, discípulo de David Oistrakh) onde, naturalmente, integrou a Boston University Symphony Orchestra. É, portanto, quase inevitável que, agora que My Brightest Diamond e Joan As Police Woman chegam aos respectivos segundos álbuns, estes, exactamente pelos mesmos motivos, voltem a ser igualmente emparelhados. O mais interessante, no entanto, é que, tal como já sucedia com Worden e Spektor, sejam bastante mais significativas as diferenças entre eles do que qualquer hipotético elo espiritual “académico” que os reunisse.



Concebido ao mesmo tempo que Bring Me The Workhorse (num processo que vem desde 2002), A Thousand Shark’s Teeth deveria ter sido o segundo painel para quarteto de cordas do díptico que os dois constituiriam. Na verdade, cresceu para um elenco final de cerca de vinte elementos – secções de cordas, guitarras, vibrafones, clarinetes, corne inglês, harpa – que dá corpo orquestral às magníficas peças de Shara Worden, algures entre o que poderia ter sido uma Kate Bush imensamente menos afectada, Björk, Jeff Buckley, e tudo o que ela própria enumera como pontos de referência: Lewis Carroll, Tom Waits, os filmes de Jean Pierre Jeunet, a pintura de Anselm Kiefer, a fotografia de Robert ParkeHarrison, Maurice Ravel e Tricky (aos dois últimos, cita-os explicitamente em “Black & Costaud” e “Like A Sieve”). Se Workhorse foi uma estreia memorável, Shark’s Teeth não apenas a confirma integralmente como é, seguramente, um dos enormes álbuns deste ano.



To Survive é de outra estirpe: a dos “singer-songwriters”, na tradição de Joni Mitchell, Carole King ou Laura Nyro, uma espécie de soul branca sofisticada (pensem em Nina Simone mas também em Cat Power ou Mary Margaret O’Hara), criada por quem já pisou estúdios e palcos ao lado de Lou Reed, Tanya Donelly, Sparklehorse, Antony & The Johnsons e Rufus Wainwright (integrou as bandas de ambos). Repescar a ideia de “torch song” – despida de adereços, excesso de maquilhagem e luxo de guarda-roupa – não será demasiado despropositado num álbum de maioritariamente belas canções onde, com alguma surpresa, Wasser troca preferencialmente o violino pelo piano e David Sylvian e Rufus (discretíssimo como lhe fica melhor) contribuem vocalmente em duas faixas.

(2008)

27 June 2008

STRIPTEASY LISTENING



HAL (featuring Gillian Anderson) - Extremis

Gillian Anderson, a Scully de X-Files, é um improvável "sex symbol" dos tempos que correm: a pequena é de altura reduzida (no episódio da semana passada, Fox Mulder atrevia-se mesmo a perguntar se ela chegava aos pedais do automóvel...), um pouco, digamos, cheiínha, em matéria de superfície de pele exibida não vai além dos dois centímetros imediatamente abaixo da clavícula e (à excepção de uns raríssimos e pudibundos "tailleurs" nos intervalos do uniforme de calças, blusa e sobretudo) nunca descobre mais do que o tornozelo. A questão é capaz de ser justamente essa: até para quem nunca se tenha deixado transportar pelos arrebatamentos de luxúria queiroziana a propósito de tornozelos, é difícil não se deixar seduzir pela atracção de "girl next door" de final do século (passado) de Dana Scully. Já agora, acrescente-se-lhe a cabeleira ruiva, os lábios vermelhos e um inteligente par de olhos azuis, conhecendo-se, como é evidente, o extraordinário potencial erótico de um Q.I. elevado.

Há ainda um factor adicional de "gender bending" que se encarrega de perturbar os estereótipos habituais: na série de televisão criada por Chris Carter, Fox Mulder é sensível, intuitivo e irracional enquanto Scully é fria, céptica e científica. Claro que já houve quem se preocupasse em desenterrar um ignorado filme de início de carreira em que Gillian aparecia um pouco menos coberta e procurasse fazer disso um caso. Mas, como bem sabe quem prefere vê-la de bata, touca e óculos de profissional médica, a sedução do que se adivinha é mil vezes superior ao que, sem mistério, se exibe.
Naturalmente, sem demasiado esforço, Gillian Anderson haveria de se cruzar com a música pop. Um vago passado punk e um recente trabalho de "voice over" para uma série da televisão britânica (Future Fantastic) fizeram-na, primeiro, apaixonar-se pela banda sonora desse programa e, depois, aceitar o desafio de, sobre música criada pelos mesmos autores dessa BSO, recitar "with a low smooth voice" aquilo que ela própria classifica como "a poetic diatribe that fits with the rhythm".



Dito só assim, é pouco menos do que um eufemismo. Extremis, na verdade, inaugura praticamente o género do "stripteasy listening" em variante "softcore" futurista, combinando um tapete rítmico ambiental com uma narrativa de "cybersex" mutante ("a meeting of minds, a cerebral mesh") encenado numa metrópole virtual ("the city shimmers above me in a thousand points of light") onde "atom by atom, molecular beings transport me away to the place of my dreams, a point in space where time is still". No disco (e ainda mais no videoclip que o acompanha) restam muito poucas dúvidas de que tipo de "cerebral mesh" se trata - aqui já não se trocam fluídos corporais mas excitam-se apenas circuitos nervosos - associando a união de corpos digitais, "talons aiguille" e edifícios mergulhados na noite urbana a imagens de um "wet dream" feminino suficientemente explícito. Gillian Anderson é, ao mesmo tempo, testemunha e protagonista, um rosto (outra vez pouco mais do que um rosto), uma voz e uma respiração electronicamente "enhanced" a provocar o desassossego dos sentidos, desesperantemente "humanos", irremediavelmente "naturais". As outras três faixas são derivações "techno" e "jungle" da matéria sonora original, subdividida, multiplicada e irradiada.

Acompanhada pelos Hal (Savage e Raheem, descendentes contemporâneos do Hal 9000 de 2001 - Odisseia no Espaço, reunidos no mesmo estúdio por obra e graça da Internet), Anderson confessa adorar bandas sonoras e utilizar a palavra e a voz para "exprimir a ressonância de um sonho invadido por uma imagem robótica". A caminho e em sequência está uma colectânea de "techno pop with a human warmth" (Future - A Journey Through The Electronic Underground) que, sob os auspícios de Gillian Anderson, juntará Brian Eno, os Future Sound Of London, William Orbit e outros, consequência daquilo a que ela chama o seu "varied, disjointed taste" que passa ainda pelos Prodigy, Harold Budd, Cake e "classical blues". Será esta a "muzak" do bordel virtual?

(1997)

26 June 2008

O PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS (II)

Laurinda Alves



"Alguém disse que o Bem e o Mal são igualmente contagiantes, mas o Bem é infinitamente mais luminoso. Lembrei-me de mais esta frase nos dias de rescaldo dos incêndios na Grécia"

(2008)
STREET ART, GRAFFITI & ETC (XIX)

Lisboa, Portugal, 2008















(2008)

25 June 2008

"NÃO TENHO PACIÊNCIA PARA ME REPETIR"
(entrevista nunca libertada do jornal onde jazia e que, hoje,
me apeteceu recuperar)




"Traidor" foi o que de mais simpático lhe chamaram quando decidiu acabar com os Talking Heads. Aos 40 anos, David Byrne sobreviveu a essa decisão "traumática" e a sua carreira a solo prossegue imparável, ao ritmo de discos completamente diferentes entre si. Byrne diz não ter paciência para se repetir e que a "world music" é apenas "um separador numa loja de discos".

O seu último álbum, Uh-Oh, foi recebido com apreciações críticas diversas. Pensa que, apesar do seu já considerável trabalho a solo, ainda continua a ser comparado com o que os Talking Heads produziram?
Sem dúvida. Para imensas pessoas, os Talking Heads tiveram imenso significado: cresceram com aquelas canções que ficaram ligadas à sua vida. A dissolução do grupo surgiu-lhes quase como um acto de traição, sentiram que algo lhes fora roubado.

Pôr fim aos Talking Heads, exactamente quando estavam à beira do grande sucesso, deve ter sido um acto de coragem...
Foi, realmente, doloroso, traumático. Musicalmente, tudo estava bem mas, no seio do grupo, a felicidade não era muita e isso estava a destruir o prazer de fazer música. Não era assim que eu desejava viver. Se tiver de sofrer, prefiro não fazer música.



Os Talking Heads foram, essencialmente, uma banda dos anos 80. Que sente, hoje, em relação a essa época?
Não sei se me apetece muito pensar nela... quando alguém menciona os anos 80 (pelo menos nos EUA), só consigo pensar em Ronald Reagan e George Bush, não penso muito em música. Mas isso não quer dizer que não houvesse muito boa música. Foi um período em que, para mim e para muitos outros, teve início o acesso e a circulação de música de origens geográficas muito diversas, bem mais do que nos anos 60 e 70. Foi também quando a televisão dominou a música e passou a influenciar o modo como as pessoas pensavam nela e a sentiam. O vídeo transformou-se numa indústria, uma força com que passou a ser necessário contar. Claro que tanto os há bons como maus.

Como se situa face à polémica do uso quase obrigatório dos videoclips como promoção da música? Alinha com quem vê neles um factor de empobrecimento da imaginação de quem ouve?
De certo modo, sim. Muitos clips retiram ao ouvinte a possibilidade de interpretar a música. É quase um roubo, um acto de censura cometido sobre a imaginação que exclui a hipótese de cada um construir o seu próprio argumento. Também é verdade que já existe uma fórmula estabelecida para os fazer. Para apresentar um músico ou um cantor, a melhor ideia ainda seria apresentá-lo tal qual, "sem nada", sem montagem. Claro que seria muito difícil fazer com que o público o aceitasse assim...



Quando surgiram, no final dos anos 70, os Talking Heads foram encarados como uma banda da "new wave" novaiorquina, em reacção contra a música da época, decorrente da atmosfera do final dos anos 60. Como evitaram cair nessa armadilha?
Essa era a época de todos os excessos, quando os grupos de rock se divertiam a lançar televisores pelas janelas dos hotéis e a enfiar Rolls Royces nas piscinas. Em todos os concertos, eram comuns os shows de laser, os palcos giratórios, as bombas de fumo... O que era divertido, mas, para a minha geração, começou a parecer-se demais com uma enorme produção em que a música quase deixava de fazer sentido. Achámos que era preciso desfazermo-nos de todo aquele aparato decorativo e tocarmos de forma tão simples quanto possível.

Sentiram-se, realmente, parte de uma cena artística novaiorquina?
Um pouco. Em Nova Iorque, todos os grupos tinham um sentido de individualidade muito marcado. A Patti Smith, os Television, os Blondie, Ramones, eram todos muito diferentes pelas suas atitudes. As bandas inglesas tinham uma imagem colectiva mais acentuada.

A ideia de "carreira" não parece preocupá-lo muito. Publica discos completamente diferentes, não se importa com a definição de uma imagem musical fixa. É mesmo assim?
É verdade. Claro que tenho consciência disso, é o género de coisas que, às vezes, me faz confusão. Ter de possuir uma imagem pública, entender que vender discos é uma necessidade e, ao mesmo tempo, não me ralar demasiado com isso é um conflito algo complicado.



Que é que o lançou na exploração das músicas do Terceiro Mundo? Sentiu haver um esgotamento no panorama pop/rock ocidental?
Esgotamento talvez não, mas alguns aspectos estavam a tornar-se aborrecidos. O ritmo era quase sempre igual, previsível. Quando me apetecia dançar, dava comigo a ir a um clube de salsa, em Nova Iorque, onde os ritmos eram muito diferentes. Mas foi uma coisa que nasceu mais do entusiasmo do que da insatisfação, foi um gesto positivo. Travara conhecimento com uma geração de músicos e de compositores brasileiros que nunca tinham deixado de ser inovadores, nunca tinham caído em fórmulas, e o mesmo acontecia com muitos outros.

O seu trabalho recente e as publicações que realiza através da Luaka Bop têm sido vistos, simultaneamente, como projectos louváveis e actos de imperialismo cultural, acusação também dirigida a músicos como Paul Simon e Peter Gabriel. Como reage a isso?
Entendo essas críticas e o que pretendem dizer. Mas escolheram a expressão errada. Imperialismo cultural é ir ao Rio de Janeiro e só conseguir ouvir roc'n'roll e beber Coca Cola. Claro que gostava de fazer dinheiro com os discos da Luaka Bop mas não faço. Praticamente, só dá para pagar a edição. Se vendêssemos milhões, talvez essas críticas tivessem razão de ser. Mas, por agora, não.

Neste contexto, a etiqueta "world music" significa alguma coisa para si?
Não. É só um separador numa loja de discos. É como quando chamavam aos Talking Heads uma "banda punk". É uma forma temporária de chamar a atenção para músicas que, de outra forma, não seriam ouvidas, o que até acaba por nem ser mau. As diferenças reais, mais tarde ou mais cedo, tornam-se evidentes.



Como tem sido a experiência de conjugar a sua nova música com personalidades tão diferentes como as de Twyla Tharp, Bob Wilson, Bertolucci ou Brian Eno?
Funciona sempre como trabalho de colaboração em que tento compreender o que pretendem. Parte do prazer está aí mesmo: entender isso enquanto componho a minha música. Por vezes, levei tempo a entender os processos. As técnicas são diferentes mas o processo criativo é, no fundo, igual. Por baixo das várias formas e géneros, há um movimento comum.

Nas suas canções, tem tendência para abordar temas pouco habituais, para se situar em contextos invulgares ou mesmo usar formatos não narrativos como em Music For The Knee Plays. É um processo natural ou predispõe-se, desde o início, a quebrar as regras?
A maior parte das vezes, acontece naturalmente embora exija trabalho. Sei que cherguei onde queria quando as coisas me surpreendem, quando olho para o papel e não tenho consciência de ter sido eu a criar aquilo.

Na sua última entrevista para o "New Musical Express", chamaram-lhe "the king of post-modernism". Para si, isso faz algum sentido?
Pensava que era um estilo de arquitectura... Sei o que querem dizer mas não tenho a certeza de que seja um elogio...



Jà escreveu música para o cinema, o teatro e a dança, já realizou filmes, tocou com um grupo e a solo, montou uma editora. Que lhe falta ainda fazer?
Queria fazer outro filme mas ainda não arranjei dinheiro. Por agora, estou muito feliz com o que tenho feito.

Em Stolen Moments, um livro de entrevistas de Tom Schnabel em que você também participa, vem, na abertura, uma citação de Nietzsche: "Sem música, a vida seria um erro". Qual foi o último disco que ouviu que o fez concordar com isso?
Ah, essa é difícil... quando estive agora em Itália, ouvi gravações de um compositor chamado Fabricio de Andre que me espantaram. Também gosto muito do novo de Caetano Veloso.

"Say something once, why say it again?": essa interrogação, em "Psychokiller", é o seu lema?
É, de facto, aquilo em que mais acredito. Não tenho paciência para me repetir.

(1992)

23 June 2008

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXXVII)



True Confessions - Tom Waits entrevista Tom Waits

I must admit, before meeting Tom, I had heard so many rumors and so much gossip that I was afraid. Frankly, his gambling debts, his animal magnetism, coupled with his disregard for the feelings of others... His elaborate gun collection, his mad shopping sprees, the face lifts, the ski trips, the drug busts and the hundreds of rooms in his home. The tax shelters, the public urination... I was nervous to meet the real man himself. Baggage and all. But I found him to be gentle, intelligent, open, bright, helpful, humorous, brave, audacious, loquacious, clean, and reverent. A Boy Scout, really (and a giant of a man). Join me now for a rare glimpse into the heart of Tom Waits. Remove your shoes and no smoking, please.

Q: What’s the most curious record in your collection?

A: In the seventies a record company in LA issued a record called The Best of Marcel Marceau. It had forty minutes of silence followed by applause and it sold really well. I like to put it on for company. It really bothers me, though, when people talk through it.

Q: What are some unusual things that have been left behind in a cloakroom?

A: Well, Winston Churchill was born in a ladies cloakroom and was one sixteenth Iroquois.

Q: You’ve always enjoyed the connection between fashion and history... talk to us about that.

A: Ok let’s take the two-piece bathing suit, produced in 1947 by a French fashion designer. The sight of the first woman in the minimal two piece was as explosive as the detonation of the atomic bomb by the U.S. at Bikini Island in the Marshall Isles, hence the naming of the bikini.

Q: List some artists who have shaped your creative life.

A: Okay, here are a few that just come to me for now: Kerouac, Dylan, Bukowski, Rod Serling, Don Van Vliet, Cantinflas, James Brown, Harry Belafonte, Ma Rainey, Big Mama Thornton, Howlin’ Wolf, Lead Belly, Lord Buckley, Mabel Mercer, Lee Marvin, Thelonious Monk, John Ford, Fellini, Weegee, Jagger, Richards, Willie Dixion, John McCormick, Johnny Cash, Hank Williams, Frank Sinatra, Louis Armstrong, Robert Johnson, Hoagy Carmichael, Enrico Caruso.



Q: List some songs that were beacons for you.

A: Again, for now... but if you ask me tomorrow the list would change, of course. Gershwin’s second prelude, “Pathetique Sonata”, “El Paso”, “You’ve Really Got Me”, “Soldier Boy”, “Lean Back” , “Night Train”, “Come In My Kitchen”, “Sad Eyed Lady”, “Rite of Spring”, “Ode to Billy Joe”, “Louie Louie”, “Just a Fool”, “Prisoner of Love”, “Wang Dang Doodle (all night long)”, “Ringo” , “Ball and Chain”, “Deportee”, “Strange Fruit”, “Sophisticated Lady”, “Georgia On My Mind”, “Can’t Stop Loving You”, “Just Like A Woman”, “So Lonesome I Could Cry”, “Who’ll Stop The Rain?”, “Moon River”, “Autumn Leaves”, “Danny Boy”, “Dirty Ol’ Town”, “Waltzing Matilda”, “Train Keeps a Rollin”, “Boris the Spider”, “You’ve Really Got a Hold On Me”, “Red Right Hand”, “All Shook Up”, “Cause of It All”, “Shenandoah”, “China Pig”, “Summertime”, “Without a Song”, “Auld Ang Syne”, “This is a Man’s World”, “Crawlin’ King Snake”, “Nessun Dorma”, “Bring it on Home to Me”, “Hound Dog”, “Hello Walls”, “You Win Again”, “Sunday Morn’ Coming Down”, “Almost Blue”, “Pump It Up”, “Greensleeves”, “Just Wanna See His Face”, “Restless Farewell”, “Fairytale of NY”, “Bring Me A Little Water Sylvie”, “Raglan Road”, “96 Tears”, “In Dreams”, “Substitute”, “Good Time Charlie’s Got The Blues”, “Theme from Rawhide”, “Same Thing”, “Walk Away Rene”, “For What it’s Worth”, theme from “Once Upon A Time In America”, “Nowadays Clancy Can’t Even Sing”, “Oh Holy Night”, “Mass in E Minor”, “Harlem Shuffle”, “Trouble Man”, “Wade in The Water”, “Empty Bed Blues”, “Hava Nagila”

Q: What’s heaven for you?

A: Me and my wife on Rte. 66 with a pot of coffee, a cheap guitar, pawnshop tape recorder in a Motel 6, and a car that runs good parked right by the door.

Q: What’s hard for you?

A: Mostly I straddle reality and the imagination. My reality needs imagination like a bulb needs a socket. My imagination needs reality like a blind man needs a cane. Math is hard. Reading a map. Following orders. Carpentry. Electronics. Plumbing. Remembering things correctly. Straight lines. Sheet rock. Finding a safety pin. Patience with others. Ordering in Chinese. Stereo instructions in German.

Q: What’s wrong with the world?

A: We are buried beneath the weight of information, which is being confused with knowledge; quantity is being confused with abundance and wealth with happiness. Leona Helmsley’s dog made 12 million last year... and Dean McLaine, a farmer in Ohio made $30,000. It’s just a gigantic version of the madness that grows in every one of our brains. We are monkeys with money and guns.

Q: Favorite scenes in movies?

A: R. De Niro in the ring in Raging Bull. Julie Christie’s face in Heaven Can Wait when she said, “Would you like to get a cup of coffee?” James Dean in East of Eden telling the nurse to get out when his dad has had a stroke and he’s sitting by his bed. Marlene Dietrich in Touch of Evil saying “He was some kind of man”. Scout saying “Hey Mr. Cunningham” in the scene in To Kill A Mockingbird. Nic Cage falling apart in the drug store in Matchstick Men... and eating a cockroach in Vampire’s Kiss. The last scene in Chinatown.



Q: Can you describe a few other scenes from movies that have always stayed with you?

A: Rod Steiger in The Pawnbroker explaining to the Puerto Rican all about gold. Brando in The Godfather dying in the tomatoes with scary orange teeth. Lee Marvin in Emperor of The North riding under the box car, Borgnine bouncing steel off his ass. Dennis Weaver at the motel saying “I am just the night man”, holding onto a small tree in Touch of Evil. The hanging in Oxbow Incident. The speech by Rutger Hauer in Blade Runner as he’s dying. Anthony Quinn dancing on the beach in Zorba. Nicholson in Witches of Eastwick covered in feathers in the church as the ladies stick needles in the voodoo doll. When Mel Gibson’s Blue Healer gets shot with an arrow in Road Warrior. When Rachel in The Exorcist says “could you help an old altar boy, father?” The blind guy in the tavern in Treasure Island. Frankenstein after he strangles the young girl by the river.

Q: Can you tell me an odd thing that happened in an odd place? Any thoughts?

A: A Japanese freighter had been torpedoed during WWII and it’s at the bottom of Tokyo Harbor with a large hole in her hull. A team of engineers was called together to solve the problem of raising the wounded vessel to the surface. One of the engineers tackling this puzzle said he remembered seeing a Donald Duck cartoon when he was a boy where there was a boat at the bottom of the ocean with a hole in its hull, and they injected it with ping-pong balls and it floated up. The skeptical group laughed but one of the experts was willing to give it a try. Of course, where in the world would you find twenty million ping-pong balls but in Tokyo? It turned out to be the perfect solution. The balls were injected into the hull and it floated to the surface, the engineer was elated. Moral solutions to problems are always found at an entirely different level; also, believe in yourself in the face of impossible odds.

Q: Most interesting recording you own?

A: It’s a mysteriously beautiful recording from, I am told, Robbie Robertson’s label. It’s of crickets. That’s right, crickets, the first time I heard it... I swore I was listening to the Vienna Boys Choir, or the Mormon Tabernacle choir. It has a four-part harmony it is a swaying choral panorama. Then a voice comes in on the tape and says, “What you are listening to is the sound of crickets. The only thing that has been manipulated is that they slowed down the tape”. No effects have been added of any kind except that they changed the speed of the tape. The sound is so haunting. I played it for Charlie Musselwhite and he looked at me as if I pulled a Leprechaun out of my pocket.

Q: You are fascinated with irony, what is irony?

A: Chevrolet was puzzled when they discovered that their sales for the Chevy Nova were off the charts everywhere but in Latin America. They finally realized that “Nova” in Spanish translates to “no go”. Not the best name for a car... anywhere “no va”.



Q: Do you have words to live by?

A: Jim Jarmusch once told me “Fast, Cheap, and Good… pick two. If it’s fast and cheap it wont be good. If it’s cheap and good it won’t be fast. If it’s fast and good it wont be cheap”. Fast, cheap and good… pick (2) words to live by.

Q: What is on Hemmingway’s gravestone?

A: “Pardon me for not getting up”.

Q: How would you compare guitarists Marc Ribot and Smokey Hormel?

A: Octopus have eight and squid have ten tentacles, each with hundreds of suction cups and each have the power to burst a man’s artery. They have small birdlike beaks used to inject venom into a victim. Some gigantic squid and octopus with one hundred foot tentacles have been reported. Squids have been known to pull down entire boats to feed on the disoriented sailors in the water. Many believe unexplained, sunken deep-sea vessels, and entire boat disappearances are the handiwork of giant squid.

Q: What have you learned from parenthood?

A: “Never loan your car to anyone to whom you’ve given birth” - Erma Bombeck

Q: Now Tom, for the grand prize... who said, “He’s the kind of man a woman would have to marry to get rid of”?

A: Mae West.

Q: Who said, “Half the people in America are just faking it”?

A: Robert Mitchum (who actually died in his sleep). I think he was being generous and kind when he said that.

Q: What remarkable things have you found in unexpected places?

A:

1. Real beauty: oil stains left by cars in a parking lot.

2. Shoe shine stands that looked like thrones in Brazil made of scrap wood.

3. False teeth in pawnshop windows - Reno, NV.

4. Great acoustics: in jail.

5. Best food: Airport in Tulsa Oklahoma.

6. Most gift shops: Fatima, Portugal.

8. Most unlikely location for a Chicano crowd: a Morrissey concert.

9. Most poverty: Washington D.C.

10. A homeless man with a beautiful operatic voice singing the word “Bacteria” in an empty dumpster in Chinatown.

11. A Chinese man with a Texan accent in Scotland.

12. Best nights sleep-in a dry riverbed in Arizona.

13. Most people who wear red pants - St. Louis.

14. Most beautiful horses, N.Y.C.

15. A judge in Baltimore MD1890 presided over a trial where a man who was accused of murder and was guilty, and convicted by a jury of his peers… and was let go - when the judge said to him at the end of the trial “You are guilty sir... but I cannot put in jail an innocent man”. You see - the murderer was a Siamese twin.

16. Largest penis (in proportion to its body) - The Barnacle.



Q: Tom, you love words and their origins. For $2,000... what is the origin of the word bedlam?

A: It’s a contraction of the word Bethlehem. It comes from the hospital of Saint Mary of Bethlehem outside London. The hospital began admitting mental patients in the late fourteenth century. In the sixteenth century it became a lunatic asylum. The word bedlam came to be used for any madhouse - and by extension, for any scene of noisy confusion.

Q: What is up with your ears?

A: I have an audio stigmatism where by I hear things wrong - I have audio illusions. I guess now they say ADD. I have a scrambler in my brain and it takes what is said and turns it into pig Latin and feeds it back to me.

Q: Most thrilling musical experience?

A: My most thrilling musical experience was in Times Square, over thirty years ago. There was a rehearsal hall around the Brill Building where all the rooms were divided into tiny spaces with just enough room to open the door. Inside was a spinet piano - cigarette burns, missing keys, old paint and no pedals. You go in and close the door and it’s so loud from other rehearsals you can’t really work - so you stop and listen and the goulash of music was thrilling. Scales on a clarinet, tango, light opera, sour string quartet, voice lessons, someone belting out “Everything’s Coming Up Roses”, garage bands, and piano lessons. The floor was pulsing, the walls were thin. As if ten radios were on at the same time, in the same room. It was a train station of music with all the sounds milling around... for me it was heavenly.

Q: What would you have liked to see but were born too late for?

A: Vaudeville. So much mashing of cultures and bizarre hybrids. Delta Blues guitarists and Hawaiian artists thrown together resulting in the adoption of the slide guitar as a language we all take for granted as African American. But it was a cross pollination, like most culture. Like all cultures. George Burns was a vaudeville performer I particularly loved. Dry and unflappable, curious, and funny – no matter what he said. He could dance too. He said, “Too bad the only people that know how to run the country are busy driving cabs and cutting hair”.

Q: What is a gentleman?

A: A man who can play the accordion, but doesn’t.

Q: Favorite Bucky Fuller quote?

A: “Fire is the sun unwinding itself from the wood”.



Q: What do you wonder about?

A:

1. Do bullets know whom they are intended for?

2. Is there a plug in the bottom of the ocean?

3. What do jockeys say to their horses?

4. How does a newspaper feel about winding up papier-mâché?

5. How does it feel to be a tree by a freeway?

6. Sometimes a violin sounds like a Siamese cat; the first violin strings were made from cat gut - any connection?

7. When is the world going to rear up and scrape us off its back?

8. Will we humans eventually intermarry with robots?

9. Is a diamond just a piece of coal with patience?

10. Did Ella Fitzgerald really break that wine glass with her voice?

Q: What are some sounds you like?

A:

1. An asymmetrical airline carousel created a high pitched haunted voice brought on by the friction of rubbing and it sounded like a big wet finger circling the rim of a gigantic wine glass.

2. Street corner evangelists

3. Pile drivers in Manhattan

4. My wife’s singing voice

5. Horses coming/trains coming

6. Children when school’s out

7. Hungry crows

8. Orchestra tuning up

9. Saloon pianos in old westerns

10. Rollercoaster

11. Headlights hit by a shotgun

12. Ice melting

13. Printing presses

14. Ball game on a transistor radio

15. Piano lessons coming from an apartment window

16. Old cash registers/Ca Ching

17. Muscle cars

18. Tap dancers

19. Soccer crowds in Argentina

20. Beatboxing

21. Fog horns

22. A busy restaurant kitchen

23. Newsrooms in old movies

24. Elephants stampeding

25. Bacon frying

26. Marching bands

27. Clarinet lessons

28. Victrola

29. A fight bell

30. Chinese arguments

31. Pinball machines

32. Children’s orchestras

33. Trolley bell

34. Firecrackers

35. A Zippo lighter

36. Calliopes

37. Bass steel drums

38. Tractors

39. Stroh Violin

40. Muted trumpet

41. Tobacco Auctioneers

42. Musical Saw

43. Theremin

44. Pigeons

45. Seagulls

46. Owls

47. Mockingbirds

48. Doves

The world’s making music all the time.



Q: What’s scary to you?

A:

1. A dead man in the backseat of a car with a fly crawling on his eyeball.

2. Turbulence on any airline.

3. Sirens and search lights combined.

4. Gunfire at night in bad neighborhoods.

5. Car motor turning over but not starting, its getting dark and starting to rain.

6. Jail door closing.

7. Going around a sharp curve on the Pacific Coast Highway and the driver of your car has had a heart attack and died, and you’re in the back seat.

8. You are delivering mail and you are confronted with a Doberman with rabies growling low and showing teeth... you have no dog bones and he wants to bite your ass off.

9. In a movie... which wire do you cut to stop the time bomb, the green or the blue.

10. McCain will win.

11. Germans with submachine guns.

12. Officers, in offices, being official.

13. You fell through the ice in the creek and it carried you down stream, and now as you surface you realize there’s a roof of ice.

Q: Tell me about working with Terry Gilliam.

A: I am the Devil in the Imaginarium of Dr. Parnassus – not a devil... The Devil. I don’t know why he thought of me. I was raised in the church. Gilliam and I met on Fisher King. He is a giant among men and I am in awe of his films. Munchausen I’ve seen a hundred times. Brazil is a crowning achievement. Brothers Grimm was my favorite film last year. I had most of my scenes with Christopher Plummer (He’s Dr. Parnassus). Plummer is one of the greatest actors on earth! Mostly I watch and learn. He’s a real movie star and a gentleman. Gilliam is an impresario, captain, magician, a dictator (a nice one), a genius, and a man you’d want in the boat with you at the end of the world.

Q: Give me some fresh song titles you two are working on.

A: “Ghetto Buddha”, “Waiting For My Good Luck To Come”, “I’ll Be an Oak Tree Some Day”, “In the Cage”, “Hell Broke Loose”, “Spin The Bottle”, “High and Lonesome.”

Q: You’re going on the road soon, right?

A: We’re going to PEHDTSCKJMBA (Phoenix, El Paso, Houston, Dallas, Tulsa, St. Louis, Columbus, Knoxville, Jacksonville, Mobile, Birmingham, Atlanta). I have a stellar band: Larry Taylor (upright bass), Patrick Warren (keyboards), Omar Torrez (guitars), Vincent Henry (woodwinds) and Casey Waits (drums and percussion). They play with racecar precision and they are all true conjurers. I’m doing songs with them I’ve never attempted outside the studio. They are all multi-instrumentalists and they polka like real men. We are the Borman Six and as Putney says, “The Borman Six have got to have soul”.

(caro Tom: corrigi-lhe meia dúzia de erros de ortografia; apesar de, nas provas de aferição, aqui em Portugal, apenas contarem para efeitos de estatística, continuam a fazer-me muita confusão; espero que não leve a mal... sempre a considerá-lo)

(2008)

22 June 2008

O PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS (I)

Laurinda Alves



"Por definição as derrotas derrotam-nos. A Selecção perdeu e foi pena. Mas também foi azar. Todos os que assistimos, vimos. Enfim, não vale a pena falar mais do assunto. Ponto final"

"Hoje é dia de jogo e de nervos e não apetece desperdiçar temas. O futebol ocupa a cabeça e é uma espécie de pensamento único, que consome e abstrai. Para quem torce pela Selecção, todas as horas do dia são geridas em função da hora do jogo, não há volta a dar. Há muito poucos assuntos que interessem para além do futebol. Falar sobre a beleza talvez seja uma hipótese mas, mesmo assim, não tenho nada a certeza"
.

(2008)
CIDADES (I)

Brighton, Reino Unido, 2008 - The West Pier















(2008)

21 June 2008

A VERDADE AMERICANA



Tom Petty & The Heartbreakers - Runnin’ Down a Dream
(DVD real. Peter Bogdanovich)


Tom Petty nunca foi exactamente Dylan. Nem propriamente Springsteen. Nem sequer um pouco Roger McGuinn. Mas, à sua maneira quase ostensivamente despretensiosa de aspirar a ser todos eles em simultâneo e nenhum em particular, acabou por construir uma personalidade de músico e autor de canções, certamente menor em comparação com eles, mas que, nessa exacta medida, encarnou perfeitamente a história colectiva de milhares de miúdos que (citando Warren Zanes, no “booklet” de Runnin’ Down A Dream), oriundos dos inúmeros “shitholes” da América profunda, viram no rock’n’roll “uma hipótese de fuga” e “quase por instinto, formaram bandas muito antes de saber realmente o que uma banda era”.



E é bem possível que, nesse sentido, Zanes não falhe demasiado o alvo quando qualifica Tom Petty & The Heartbreakers como “America’s truest rock’n’roll band”. Também não terá sido, seguramente, por acaso que Petty escolheu Peter Bogdanovich (sim, ele, o de The Last Picture Show, facsimile audiovisual de um “shithole” texano dos anos 50, que Tom Waits gosta de referir como modelo para o seu, privado, de Laverne, na Califórnia, onde “só havia um exemplar de cada coisa: um bêbedo, uma puta, um carteiro”) para realizar este filme comemorativo dos trinta anos dos Heartbreakers e que Bogdanovich tenha aceite assiná-lo (o seu segundo documentário, após Directed by John Ford), justificando a longa duração de quatro horas com o argumento “Se Martin Scorsese, em No Direction Home, foi autorizado a gastar três horas com seis anos da vida de Bob Dylan, o que me impediria a mim de gastar quatro com trinta anos da carreira de Tom Petty?”.



É, sem dúvida, proporcionalmente justo e, além do mais, corresponde ao que Peter Bogdanovich confessa ter sido o que o aproximou da figura de Petty: “Sinto-me atraído por coisas que são muito americanas – especialmente, do Sul da América – e as canções dele possuem uma certa qualidade de impressionismo e ambiguidade que me intriga bastante. Têm a ver com o fenómeno da cultura pop que sempre me interessou. Ele foi despertado pelo Elvis, inspirado pelos Beatles e, antes disso, pelos ‘westerns’... tudo isso falou-me ao coração”. Começa e termina, então, a narrativa em Gainesville, na Florida: com abundante material de arquivo familiar e do próprio Petty, viajamos, do início dos anos 70 e dos primordiais Epics e Mudcrutch (que Tom Petty voltou, agora, a reunir em álbum para um momento de nostálgico “jantar de curso” musical) até ao concerto de celebração do “homecoming”, no campus da Universidade da Florida, a 21 de Setembro de 2006.



E, pelo caminho, apoiada nas entrevistas de Bogdanovich com Petty, nos depoimentos dos membros da banda e de Johnny Depp, Rick Rubin, Eddie Vedder, George Harrison, Denny Cordell e Dave Stewart, a biografia – temperada com meia dúzia de pinceladas “de autor” como o “insert” de Rio Bravo em que Ricky Nelson e Dean Martin cantam "Get Along Home Cindy" – flui, entre as épicas disputas de Petty com as editoras, os encontros finalmente concretizados com os heróis Dylan (os Heartbreakers foram a sua “backing band” na digressão “True Confession”, de 1986 e 1987), Johnny Cash, Roger McGuinn e Roy Orbison, as incursões colaterais – com os Travelling Willburys e a solo – e, acima de tudo (a caixa de três DVD e um CD inclui também o registo do concerto de aniversário e uma recolha de inéditos e raridades) a música e as canções de uma banda que, revela o guitarrista Mike Campbell a certa altura, sempre teve como lema “don’t bore us, get to the chorus”.

(2008)

20 June 2008

O MUNDO JÁ NÃO ERA O QUE É



Hoje, é perfeitamente claro: desde o fim dos anos 50/início de 60, está em marcha uma conspiração com o objectivo de apagar da História da música a pop-antes-da-pop. Dirigida pela maçonaria da «nova pop» contra a «velha pop» e pelo rock contra tudo aquilo que o antecedeu, só fugazmente a memória do que era a música popular anterior a essa época é autorizada a vir a superfície. Sob o imenso guarda-chuva do «easy listening» (ou «muzak» ou «música de fundo» ou «música ambiente», ou «música para elevadores» ou...) foi deliberadamente lançado em arquivo morto tudo o que sucedeu antes da era inaugurada pelo rock'n'roll, considerando essa pré-história como mero «entretenimento ligeiro» que uma geração posterior de «artistas» animada de uma superior missão estética haveria de sepultar no caixote de lixo da História. Por acaso, a verdade não é bem essa. A «velha pop» não era mais «ligeira» ou mais «séria» do que a «nova» e nem sequer as tradições de que se inspiraram eram tão diferentes uma da outra. Num e noutro caso, convergiram as heranças da música branca, negra e do resto do mundo, numa como na outra se revelaram notáveis músicos, autores e compositores. Tudo o mais decorre apenas dos cíclicos fenómenos de moda e, se hoje (por um desses inexplicáveis eternos retornos de que só Zeus e a indústria discográfica conhecem os segredos), o tal «easy listening» parece estar de volta, não é isso que o vai tornar mais ou menos respeitável.


Andy Williams - "Music To Watch Girls By"

Já se sabe que Bach, Mozart, Satie, Debussy, Chet Baker, Tom Jobim ou Brian Eno não teriam considerado como insulto chamar-se «música ambiente» a muitas das peças que escreveram. Convém agora que se perceba igualmente que o «easy listening» propriamente dito também não tem de se ofender por ser assim tratado. E o momento para isso não podia ser mais adequado com toda uma série de velhas jóias a serem trazidas à superfície e, de novo, expostas à curiosidade de quem com elas nunca travou conhecimento. Pode começar-se mesmo pelo princípio, isto é, por um CD da respeitabilíssima editora Hyperion, totalmente dedicado aos British Light Music Classics, interpretados pela New London Orchestra, dirigida por Ronald Corp. Façam então o favor de descobrir, entre outros, os notáveis Archibald Joyce (1873-1963, «the british waltz king»), Sydney Baines (1879-1938, director da trupe de «dancing girls» do Palace Theatre), Albert William Ketelbey (1875-1959, expoente da «música narrativa exótica»), Eric Coates (1886-1957, rei da rádio e criador de música para espevitar os ritmos laborais), Charles Williams (1893-1978, «film, radio and TV musician»), Ronald Binge (1910-1979, inventor das «cascading strings» na orquestra de Mantovani) ou o «jovem» Robert Farnon (1917, autor do tema mais utilizado de sempre em genéricos, «Jumping Bean»). Estão lá todos e ajudam bastante a introduzir um certo sentido de perspectiva e a definir uma linhagem ilustre.


Xavier Cugat - "She's a Bombshell from Brooklyn"

Depois, há o verdadeiro baú do tesouro: a sumptuosa colecção de 12 CD da Capitol * que dá pela designação genérica de Ultra Lounge. Minuciosamente concebida e executada (do grafismo, aos textos, ao «artwork», à selecção de materiais e à organização temática), todos os títulos, do primeiro ao último, exigem ser referidos de tal modo são auto-explicativos: Mondo Exotica, Mambo Fever, Space Capades, Bachelor Pad Royale, Wild Cool and Swinging, Rhapsodesia, The Crime Scene, Cocktail Capers, Cha Cha De Amor, A Bachelor In Paris, Organs In Orbit e Saxophobia falam por si próprios. O que, traduzido por outras palavras, equivale a um verdadeiro luxo asiático daquela imensa variedade de músicas que, entre ritmos latinos, variedades francesas, vaudeville, êxitos da Broadway e do cinema, «crooning», jazz e swing bands, «torch songs», exotismos, futurismos e experimentalismos diversos, constituiram a dieta sonora jndispensável antes (e, num universo paralelo, durante e depois) de E1vis Pres1ey ter subido ao trono.


Joi Lansing - "Web Of Love"

Os textos introdutórios de R. J. Smith combinam sabiamente erudicão e humor fino, o fundo da caixa de cada disco é uma muito apropriada reprodução de pele de leopardo e, em todos, existe a sugestão do «cocktail» adequado (e respectiva receita) para acompanhar a audição. Nos 12 títulos, há varias presenças recorrentes (gigantes como Martin Denny, Les Baxter, Yma Sumac, Julie London, Nelson Riddle, Dean Martin ou Billy May) e é absolutamente necessário saborear as deliciosas ilustrações de Tommy Steele e Andy Engel bem como os «headlines» e textos de contracapa que sintetizam cada álbum. Exemplos avulsos: The Crime Scene anuncia «Spies, thighs & private eyes», Cha Cha De Amor situa-se «From Mamboland to Bossanovaville» e Saxophobia promete «A horn-a-copia of sax-ual delights», enquanto nas costas de A Bachelor In Paris se explica o seu conteúdo como «eighteen vintage hi-fi ensembles from our designer vaults styled with a continental flair. Haute couture! C'est magnifique! C’est si bon! Vive la diffférence! Vive la France! French fry! French toast! Ooh-la-la ma chérie! Bon appetit! Voilá!». A atenção ao pormenor e à encenação de cada conjunto de temas é exactamente o que se desejaria num arquivista enciclopédico que, em simultâneo, dominasse a ironia «kitsch» e a arte do «marketing» superiormente culta. Em suma, o género de colecção que qualquer hedonista digno desse nome revolve céus e terra para lhe chamar sua.


Martin Denny - "Quiet Village"

Mergulhando um pouco mais em profundidade no catálogo da Capitol, há ainda o magnífico duplo The Exotic Sounds of Martin Denny, compilação de música do criador do universo sonoro «exotica», uma espécie de «world music avant la lettre», concebida por desígnio divino no Havai, na esplanada do Dagger Bar, de Don the Beachcomber. Denny tinha nascido em Nova Iorque e estudado com tão insignes mestres como Doctor Wesley La Violette (professor de piano e contraponto, fervoroso crente na teoria da reencarnacão e tradutor do épico sânscrito Bhagavad Gita) e Doctor Arthur Lange (especialista da instrumentacão para «small combo» e expoente máximo da sinestesia tal como a Sociedade Teosófica a entendia). No início, enquanto pianista, acompanhou luminárias extraordinariamente ignoradas com The Incomparable Hildegarde, mas foi em Honolulu que lhe ocorreu a ideia de conjugar timbres polinésios, africanos, orientais, árabes, vibrafones jazzy, o coaxar das rãs, o canto dos pássaros e uma visão do mundo como Disneylandia sonora, para fornecer o pano de fundo musical sob o qual os turistas debicavam pipocas e lendário surfista Duke Kahanamoku bebericava Blue Hawaiians. Em 1959, James A. Michener escreveu-lhe as «liner notes» para o álbum Hypnotique («Esta é musica para ser vista e, neste disco, há muitos sons novos que obrigarão o ouvinte a criar as suas próprias imagens verbais»), Sammy Davis, Xavier Cugat ou John Sturges alimentaram a lenda e, numa íntima relação com Les Baxter, encarregou-se de popularizar ao vivo as ideias que o outro concebia no laboratório do estúdio. Modernos discípulos como os Beach Boys, Devo, Yellow Magic Orchestra ou Combustible Edison prolongaram o mito. Mas não há como escutar «Quiet Village», «Bali Hai», «Ringo Oiwake», «Oro (God of Vengeance»), «Llama Serenade», «The Left Arm Of Buddha», «Mau Mau», «Tse Tse Fly» ou «Voodoo Love» para compreender como o mundo, muito antes da aldeia global, já tinha deixado de ser o que é.

* actualmente 36 (samplers e best ofs incluídos)

(1997)