A VERDADE AMERICANA
Tom Petty & The Heartbreakers - Runnin’ Down a Dream
(DVD real. Peter Bogdanovich)
Tom Petty nunca foi exactamente Dylan. Nem propriamente Springsteen. Nem sequer um pouco Roger McGuinn. Mas, à sua maneira quase ostensivamente despretensiosa de aspirar a ser todos eles em simultâneo e nenhum em particular, acabou por construir uma personalidade de músico e autor de canções, certamente menor em comparação com eles, mas que, nessa exacta medida, encarnou perfeitamente a história colectiva de milhares de miúdos que (citando Warren Zanes, no “booklet” de Runnin’ Down A Dream), oriundos dos inúmeros “shitholes” da América profunda, viram no rock’n’roll “uma hipótese de fuga” e “quase por instinto, formaram bandas muito antes de saber realmente o que uma banda era”.
E é bem possível que, nesse sentido, Zanes não falhe demasiado o alvo quando qualifica Tom Petty & The Heartbreakers como “America’s truest rock’n’roll band”. Também não terá sido, seguramente, por acaso que Petty escolheu Peter Bogdanovich (sim, ele, o de The Last Picture Show, facsimile audiovisual de um “shithole” texano dos anos 50, que Tom Waits gosta de referir como modelo para o seu, privado, de Laverne, na Califórnia, onde “só havia um exemplar de cada coisa: um bêbedo, uma puta, um carteiro”) para realizar este filme comemorativo dos trinta anos dos Heartbreakers e que Bogdanovich tenha aceite assiná-lo (o seu segundo documentário, após Directed by John Ford), justificando a longa duração de quatro horas com o argumento “Se Martin Scorsese, em No Direction Home, foi autorizado a gastar três horas com seis anos da vida de Bob Dylan, o que me impediria a mim de gastar quatro com trinta anos da carreira de Tom Petty?”.
É, sem dúvida, proporcionalmente justo e, além do mais, corresponde ao que Peter Bogdanovich confessa ter sido o que o aproximou da figura de Petty: “Sinto-me atraído por coisas que são muito americanas – especialmente, do Sul da América – e as canções dele possuem uma certa qualidade de impressionismo e ambiguidade que me intriga bastante. Têm a ver com o fenómeno da cultura pop que sempre me interessou. Ele foi despertado pelo Elvis, inspirado pelos Beatles e, antes disso, pelos ‘westerns’... tudo isso falou-me ao coração”. Começa e termina, então, a narrativa em Gainesville, na Florida: com abundante material de arquivo familiar e do próprio Petty, viajamos, do início dos anos 70 e dos primordiais Epics e Mudcrutch (que Tom Petty voltou, agora, a reunir em álbum para um momento de nostálgico “jantar de curso” musical) até ao concerto de celebração do “homecoming”, no campus da Universidade da Florida, a 21 de Setembro de 2006.
E, pelo caminho, apoiada nas entrevistas de Bogdanovich com Petty, nos depoimentos dos membros da banda e de Johnny Depp, Rick Rubin, Eddie Vedder, George Harrison, Denny Cordell e Dave Stewart, a biografia – temperada com meia dúzia de pinceladas “de autor” como o “insert” de Rio Bravo em que Ricky Nelson e Dean Martin cantam "Get Along Home Cindy" – flui, entre as épicas disputas de Petty com as editoras, os encontros finalmente concretizados com os heróis Dylan (os Heartbreakers foram a sua “backing band” na digressão “True Confession”, de 1986 e 1987), Johnny Cash, Roger McGuinn e Roy Orbison, as incursões colaterais – com os Travelling Willburys e a solo – e, acima de tudo (a caixa de três DVD e um CD inclui também o registo do concerto de aniversário e uma recolha de inéditos e raridades) a música e as canções de uma banda que, revela o guitarrista Mike Campbell a certa altura, sempre teve como lema “don’t bore us, get to the chorus”.
(2008)
21 June 2008
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