27 June 2008

STRIPTEASY LISTENING



HAL (featuring Gillian Anderson) - Extremis

Gillian Anderson, a Scully de X-Files, é um improvável "sex symbol" dos tempos que correm: a pequena é de altura reduzida (no episódio da semana passada, Fox Mulder atrevia-se mesmo a perguntar se ela chegava aos pedais do automóvel...), um pouco, digamos, cheiínha, em matéria de superfície de pele exibida não vai além dos dois centímetros imediatamente abaixo da clavícula e (à excepção de uns raríssimos e pudibundos "tailleurs" nos intervalos do uniforme de calças, blusa e sobretudo) nunca descobre mais do que o tornozelo. A questão é capaz de ser justamente essa: até para quem nunca se tenha deixado transportar pelos arrebatamentos de luxúria queiroziana a propósito de tornozelos, é difícil não se deixar seduzir pela atracção de "girl next door" de final do século (passado) de Dana Scully. Já agora, acrescente-se-lhe a cabeleira ruiva, os lábios vermelhos e um inteligente par de olhos azuis, conhecendo-se, como é evidente, o extraordinário potencial erótico de um Q.I. elevado.

Há ainda um factor adicional de "gender bending" que se encarrega de perturbar os estereótipos habituais: na série de televisão criada por Chris Carter, Fox Mulder é sensível, intuitivo e irracional enquanto Scully é fria, céptica e científica. Claro que já houve quem se preocupasse em desenterrar um ignorado filme de início de carreira em que Gillian aparecia um pouco menos coberta e procurasse fazer disso um caso. Mas, como bem sabe quem prefere vê-la de bata, touca e óculos de profissional médica, a sedução do que se adivinha é mil vezes superior ao que, sem mistério, se exibe.
Naturalmente, sem demasiado esforço, Gillian Anderson haveria de se cruzar com a música pop. Um vago passado punk e um recente trabalho de "voice over" para uma série da televisão britânica (Future Fantastic) fizeram-na, primeiro, apaixonar-se pela banda sonora desse programa e, depois, aceitar o desafio de, sobre música criada pelos mesmos autores dessa BSO, recitar "with a low smooth voice" aquilo que ela própria classifica como "a poetic diatribe that fits with the rhythm".



Dito só assim, é pouco menos do que um eufemismo. Extremis, na verdade, inaugura praticamente o género do "stripteasy listening" em variante "softcore" futurista, combinando um tapete rítmico ambiental com uma narrativa de "cybersex" mutante ("a meeting of minds, a cerebral mesh") encenado numa metrópole virtual ("the city shimmers above me in a thousand points of light") onde "atom by atom, molecular beings transport me away to the place of my dreams, a point in space where time is still". No disco (e ainda mais no videoclip que o acompanha) restam muito poucas dúvidas de que tipo de "cerebral mesh" se trata - aqui já não se trocam fluídos corporais mas excitam-se apenas circuitos nervosos - associando a união de corpos digitais, "talons aiguille" e edifícios mergulhados na noite urbana a imagens de um "wet dream" feminino suficientemente explícito. Gillian Anderson é, ao mesmo tempo, testemunha e protagonista, um rosto (outra vez pouco mais do que um rosto), uma voz e uma respiração electronicamente "enhanced" a provocar o desassossego dos sentidos, desesperantemente "humanos", irremediavelmente "naturais". As outras três faixas são derivações "techno" e "jungle" da matéria sonora original, subdividida, multiplicada e irradiada.

Acompanhada pelos Hal (Savage e Raheem, descendentes contemporâneos do Hal 9000 de 2001 - Odisseia no Espaço, reunidos no mesmo estúdio por obra e graça da Internet), Anderson confessa adorar bandas sonoras e utilizar a palavra e a voz para "exprimir a ressonância de um sonho invadido por uma imagem robótica". A caminho e em sequência está uma colectânea de "techno pop with a human warmth" (Future - A Journey Through The Electronic Underground) que, sob os auspícios de Gillian Anderson, juntará Brian Eno, os Future Sound Of London, William Orbit e outros, consequência daquilo a que ela chama o seu "varied, disjointed taste" que passa ainda pelos Prodigy, Harold Budd, Cake e "classical blues". Será esta a "muzak" do bordel virtual?

(1997)

4 comments:

Táxi Pluvioso said...

Os americanos picaram-se, vendo o seu Oh!Bama neste anúncio. Mas também podia ser Sir Robert Mugabe.

menina alice said...

:D

O texto da luxúria queirosiana dos calcanhares da Scully!

Ela tem mais uma graça que (inevitavelmente) lhe aparece aqui no hit: um ciciar, uma maneira de dizer ésses, muito característica e cativante.

João Lisboa said...

"calcanhares"

Tornozelos!

menina alice said...

:D:D:D:D:D

Sempre atento! :D