01 May 2008

PORTISHEAD, BRIXTON ACADEMY, 1997



"Is it all as it seems, so unresolved, so unredeemed?" canta Beth Gibbons no palco da Brixton Academy, em Londres, a abrir o concerto com "Humming", por entre o veludo das cordas e a fantasmagoria de um Moog disfarçado de Theremin. E logo ali se compreende instantaneamente como aquilo que os Portishead praticam não é senão a tradução contemporânea dos blues, da torch song, se quiserem, também do fado, todas essas músicas terminalmente "so unresolved, so unredeemed". A sala é magnífica: grande, antiga e ampla, esgotada até ao último milímetro quadrado (duas horas antes do concerto, a fila dava já a volta ao quarteirão) mas totalmente desadequada à intimidade que a música dos Portishead exige.



É verdade que muitos a desejam escutar ao vivo mas deveriam ser delicadamente conduzidos para pequenos espaços onde, em número sempre reduzido e por um preço astronómico, poderiam gozar do privilégio de conviver com ela à distância de uma respiração. Em Lisboa, o "Maxime" ou o velho (notem bem, o velho) "Ritz" acolhê-los-iam como uma segunda casa. Tudo começa, então, em vermelho vivo e, ao longo das quinze canções do daltónico Geoff Barrow, se desenvolve num permanente jogo cromático sobre o pano de fundo e quatro ecrãs rectangulares: lilás sobre verde, luz branca ofuscante, magenta e azul, borrões negros em movimento que alastram como fumo ou manchas de tinta, exercícios geométricos de op-art e céus estrelados, a resolverem-se num banho de azul em "Roads", o primeiro encore.



No palco, uma guitarra, um baixo (ou contrabaixo acústico), bateria, teclados, a artilharia do DJ e... A Voz. Beth Gibbons é alternadamente Billie Holiday, Eartha Kitt, Shirley Bassey, Janis Joplin, Minnie Ripperton, Björk, Beth Gibbons até. "Cowboys" revela-se como torch song sideral, "Half Day Closing" é uma mensagem emitida de um além hertziano que se dissolve em realejo de feira, "Elysium" uma espessa convulsão púrpura e turquesa a explodir num final tórrido, "Over" um electrocardiograma de Janis. O programa não contempla a "integral" dos Portishead mas também não esquece "Sour Times" (rasgado e negríssimo com desfecho apocalíptico), "Glory Box", "Mysterons" ou "Strangers". De qualquer modo, muito mais do que o necessário para que, durante hora e meia, alguns milhares tenham tido acesso directo a um outro mundo onde ainda, de certo, haverá quem permaneça. (1997)

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