09 May 2008

GODARD E TRUFFAUT



Robert Forster - The Evangelist

Quando, a 6 de Maio de 2006, numa tarde de sábado, Grant McLennan, aos 48 anos, morreu vítima de um ataque cardíaco fulminante, o seu amigo e companheiro de três décadas nos Go-Betweens, Robert Forster, escreveu uma emocionada “remembrance” na qual contava como ambos se haviam conhecido no departamento de teatro da universidade de Queensland. Grant vivia e respirava cinema, Robert estudava literatura inglesa mas tocava já numa banda que respondia alternativamente pelo nome de The Mosquitoes ou The Godots: “Quando Grant e eu nos encontrámos, não o sabíamos ainda mas tínhamo-nos descoberto, um era a imagem no espelho do outro. Ele falava-me sobre a ‘nouvelle vague’ francesa e o ‘film noir’. Eu falava-lhe sobre a grandeza dos Velvet Underground. Ele falava-me acerca da teoria dos autores e o génio de Preston Sturges. Eu falava-lhe acerca de Dylan, a meio dos anos sessenta. Ele referia Godard e Truffaut. Nós tornámo-nos Godard e Truffaut. Na altura, Brisbane não fazia a menor ideia disso mas havia dois miúdos de dezanove anos ao volante de um automóvel que pensavam ser realizadores de cinema franceses”.


Robert Forster ensinou Grant McLennan a tocar guitarra-baixo e apercebeu-se que, de estudante de cinema capaz de tocar baixo, ele se havia convertido em músico e compositor. A primeira canção de ambos chamou-se “Big Sleeping City” e os Go-Betweens, em Janeiro de 1978, acabavam de nascer. Nunca chegaram a concretizar a segunda parte da sua conspiração privada – realizar um filme e escrever um livro, The Death Of Modern America: Dylan 1964-66 – mas a preciosa discografia da banda que (com os Triffids) criou as mais sublimes canções da pop australiana bastou e transbordou. The Evangelist, assinado por Robert Forster, é, então, de facto, o último álbum dos Go-Betweens. Forster bem poderá dizer que apenas meia dúzia de linhas e dois refrões foram herdados de McLennan mas a memória dele (e de ambos e daquilo que aos dois assombrava) está lá, intacta. Por todo o lado: no momento em que “Did She Overtake You”, partindo dos Velvets, reinventa os Go-Betweens; nas duas subtis variantes-Dylan de “Don’t Touch Anything” e “Let Your Light In, Babe”; na frase final de “It Ain’t Easy”, “I write these words to his tune that he wrote on a full moon, and a river ran and a train ran and a dream ran through everything he did”; no “segredo” que, em “From Ghost Town”, aperta um nó na garganta. Agora, sim, os Go-Betweens repousam em paz. (2008)

2 comments:

menina alice said...

Que bonito. ***

E aconteceu um daqueles momentos fabulosos exactamente agora: o meu Che está lá dentro a tomar banho e ele canta sempre no duche. No preciso momento em que eu abri esta caixa de comentários para te puxar o saco, ele (que, logicamente, está genialmente doutrinado) começou a cantar o Orpheus Beach. P'la minha saúdinha.

Agora diz que isto não é de ir às lágrimas?!

João Lisboa said...

O Che vai lá...