FIM DE CAPÍTULO
(repescado a partir daqui)
Tindersticks - Donkeys 92-97
Stuart Staples fala como se tivesse pavor de que uma só das palavras que pronuncia pudesse deixar uma impressão errada. A voz sai-lhe segredada, quase inaudível, repete as ideias, gagueja, sorri embaraçado com algumas das perguntas mas, mesmo assim, lá consegue explicar as razões por que os Tindersticks se decidiram a editar Donkeys, uma compilação que recolhe todos os seus singles e raridades avulsas até aqui dispersas. E, depois, anuncia que o grupo se prepara para grandes mudanças ao mesmo tempo que conta como realizou a fantasia de cantar com Isabella Rosselini e não consegue encontrar outra razão para o título do álbum a não ser que "it just felt right".
Por que motivo decidiram publicar agora esta compilação de lados B e raridades que não é exactamente aquilo a que nos habituámos a chamar um "Best Of"?
Suponho que porque, para nós, ele funciona como o encerramento de um capítulo. Resume todo um ciclo de canções, garantindo, ao mesmo tempo, que nada daquilo que fomos publicando fique indisponível.
Se isto encerra um ciclo de canções, como irá ser o seguinte?
Ainda não sabemos bem, estamos a trabalhar para o proximo disco. Penso que vai ser muito diferente dos anteriores embora também não me espante que, depois, as pessoas não identifiquem muito bem essas diferenças. Mas estamos a descobrir uma nova forma de escrever as canções com uma ênfase muito mais nítida na totalidade do grupo e na contribuição das ideias de cada elemento.
Por que motivo esta compilação se intitula Donkeys?
Só porque sentimos que ficava bem (risos). Há qualquer coisa nessa palavra que casa perfeitamente com o espírito das canções. Não houve nenhuma outra razão muito especial.
Ouvindo o disco, houve uma coisa que me chamou a atenção e em que antes nunca tinha verdadeiramente reparado: a apurada sensibilidade pop dos Tindersticks na forma como, a partir de um desenho de guitarra, de um "leitmotiv" de cordas ou da forma como cada canção cresce da estrofe para o refrão, se define o essencial...
Mas nós sempre nos encarámos realmente como uma banda pop. Quando escrevemos uma canção, partimos de uma ideia inicial e procuramos conduzi-la até à sua conclusão natural. Embora isso não queira dizer que tenhamos uma fórmula secreta que nos indique exactamente como havemos de fazer as coisas.
A partir de certa altura, enveredaram por uma via de pop orquestral. Do vosso ponto de vista, isso constituiu um desenvolvimento inevitável?
Foi uma consequência muito natural do facto do Dickon fazer parte do grupo e de ele tocar violino. A utilização de uma orquestra acabou por ser também uma forma de evitar que, para gravar as partes de cordas, ele tivesse de tocar trinta vezes a harmonia de cada canção. Parece-me, por outro lado, que essa via já deu os frutos que tinha a dar e é altura de mudarmos de rumo.
Vai ser essa, então, uma das mudanças?
A mudança irá ser mais profunda. Não é uma questão de nos vermos livres disto ou daquilo em particular. Trata-se verdadeiramente de descobrir o que funciona realmente bem quando nós os seis tocamos em conjunto e ser capaz de transpôr isso que é, de facto, especial para um disco. O que, até aqui, creio que ainda não conseguimos. Esse é o objectivo mais importante.
De qualquer modo, os Tindersticks, como os Divine Comedy ou os Walkabouts integram-se numa corrente de pop orquestral que está a crescer...
No caso deles, deve ter sido porque todos ouviram os nossos discos!... (risos) Claro que é muito simples decidir que se deseja escrever pop orquestral e contratar um arranjador. Como sabe, nós não funcionamos dessa forma. Connosco esse impulso veio de dentro.
Independentemente disso, no seu caso, como cantor, tem consciência de se estar a referir a uma antiga tradição de "crooners"?
A verdade é que os cantores que eu admiro não vêm dessa tradição. É certo que, há cerca de dois anos, estávamos obcecados com a ideia de escrever a canção definitiva de Jimmy Webb. Mas levámos isso até onde era possível e, agora, já não vale a pena continuar por aí.
Lembro-me de ter lido que, em determinado momento, contactaram Juan Garcia Esquivel, o papa do "easy listening" mexicano para escrever para vocês...
Isso foi há cerca de três anos. Foi uma daquelas coisas que nos passou pela cabeça. Admirávamos a música dele (se quiser, foi, mais uma vez, esse filão da música orquestral) e lembrámo-nos de lhe falar. Mas é como lhe digo, agora, há que seguir por outro caminho.
Como é que surgiu a ideia para o seu dueto com Isabella Rosselini em "Marriage Made In Heaven"? Pensou nela desde o primeiro momento?
Essa é uma das nossas primeiras canções. Originalmente, cantei-a com a Nikki, das Huggy Bear, e editámos pouco mais de mil exemplares. Gravámo-la e misturámo-la num único dia mas era uma daquelas canções a que estávamos sempre a voltar. Quando decidimos regravá-la tínhamos um certo desejo instintivo em relação à possibilidade de o fazermos com a Isabella. Imaginámos como ela seria e fomos atrás dessa ideia para confirmar se tínhamos razão. E, de facto, encontrá-la e estar com ela confirmou as nossas fantasias.
Ela revelou-se uma cantora natural?
Não. Mas os cantores naturais também não têm assim tanto interesse, pois não? Ela é uma actriz e o que faz nesta canção é representar.
Se relacionarmos esse seu dueto com a outra versão de "No More Affairs" cantada em francês, vamos ter quase directamente a Serge Gainsbourg e Jane Birkin...
Espero bem que sim...(risos) Essa versão em francês tem a ver com a ideia de sempre me ter fascinado a expressão das emoções através da fonética de uma língua que não compreendo.
Na ultima linha do "press release" para este disco, é referido que os Tindersticks são vestidos por Timothy Everest, um alfaiate de cavalheiros londrino. Isso é assim uma coisa tão importante para vocês?
Houve uma altura em que foi. Vestíamos uma roupa que mais ninguém usava. Tal como acontecia com as nossas canções.
Para terminar, posso-lhe pedir o seu "top ten" de discos privado?
Sempre que me perguntam isso, faz-se-me uma branca no pensamento. Mas acabo sempre por falar de gente como Tim Hardin, Velvet Underground, Big Star, Al Green, Townes Van Zandt...
Na primeira vez que conversámos, disse-me que passou a juventude a ouvir os discos de Neil Diamond da sua mãe...
Isso é uma velha tradição de família... Pelo Natal, ou são esses ou os do Perry Como...
(1998)
26 May 2008
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5 comments:
Anda por aí um bicho a pedir para o João Lisboa «postar» (estará bem assim?) os seus textos anteriores a 1997. Eu também gostava muito.É que, tanto o bicho (quim seguro) como eu ainda não andamos satisfeitos com o rombo que já nos fez na carteira. Se for preciso, arranja-se um peditório. Quantas assinaturas são precisas?
nota mental: adicionar o bicho Tim Hardin às pessoas que interessam.
CANTINHO DA MEMÓRIA, JÁ!
A arca pós-97 ainda está longe de vazia. Além de que, como o pré-97 corresponde ao meu período de analfabetismo informático, o que guardei "de papel" (e não foi tudo)que ainda não esteja mastigado por peixinhos-de-prata, vai dar um trabalho de cão a digitalizar.
Uma parte está no PdC-livro. A outra, o bom Zeus se encarregará de me indicar o quando.
Ok. O Pdc-livro já o tenho e é uma óptima ajuda. Paciência. Quando era puto, em minha casa não se comprava o Expresso. Agora recebo os resultados. Mas obrigado pelo respeito demonstrado a dar-nos uma justificação.
obrigado pela "inside information", porque desconhecia o livro (ai a geração rasca..).
Vou então averiguar lá para as bandas em redor do pavilhão da Leya.
mas já agora junto-me ao coro, também tenho curiosidade de ler os textos pré-90s.
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