AS MANGAS E OS BOTÕES
Scarlett Johansson - Anywhere I Lay My Head
Com ele, nunca há garantia de se tratar da verdade ou apenas de mais uma efabulação. Mas, quando a “Pitchfork” perguntou a Tom Waits se tinha conhecimento de que Scarlett Johansson estava a gravar um álbum com versões de canções dele, a resposta foi “Sim, soube disso pelos jornais”. Sem qualquer irritação, no entanto. Bem pelo contrário, acrescentava mesmo um “more power to her” e explicava que “se escrevemos canções é para serem escutadas e reinterpretadas. É um sinal de que não são assim uma coisa tão pessoal que outros não possam abordar. Não faço ideia do que ela irá fazer, mas, se pegamos nas canções de outra pessoa, é para as fazermos nossas, não há outra solução. E isso, habitualmente, exige uma certa arte de alfaiataria: corta-se umas mangas, cose-se uns botões... cria-se sempre algo de diferente, é a tradição”. Até agora, não se conhece outra reacção de Waits a Anywhere I Lay My Head. Mas do que não pode haver dúvidas é que Scarlett Johansson e o produtor David Sitek (dos TV On The Radio) não hesitaram em usar e abusar da tesoura, da linha e das agulhas: quem apenas conheça de passagem a discografia de Tom Waits, sem esclarecimento prévio, dificilmente reconheceria nestas dez canções (mais um original – “Song For Jo” – de Johansson/Sitek) a assinatura dele. Aparentemente, o objectivo foi exactamente esse: pôr de lado o “respeitinho” e lidar sem grandes cerimónias com o reportório do mestre.
(experiência prévia)
Arredemos nós também o preconceito relativamente aos actores-que-se-lhes-meteu-na-cabeça-cantar. Desde Marlene Dietrich a Marilyn Monroe, Johnny Depp ou Nico (sim, ela era uma “singing-actress”), a questão nunca foi a de ousar pisar outro território que não “o seu” mas sim a de saber se havia perna suficiente para arriscar tal passo. Nos sítios da Net onde se discutem os temas reais que podem fazer vacilar o movimento da terra em torno do seu eixo imaginário, parece assente que Johansson mede pouco mais que um metro e cinquenta e cinco. Perna curta, portanto. Pelo que, sensatamente, Sitek optou por lhe utilizar o timbre de contralto exclusivamente como mais uma tonalidade da paleta – em dois temas, a voz de David Bowie é ainda outra – com que pinta um bizarro fresco algures entre os Cocteau Twins, Sinead O’Connor, Phil Spector, Debbie Harry a bordo dos My Bloody Valentine, ou Nico (lá está...) em part-time com os Mercury Rev. Quando falham – “I Don’t Wanna Grow Up”, por exemplo –, estatelam-se mas, nos momentos em que o alinhamento planetário é mais propício (“Fannin’ Street”, “Town With No Cheer”, “Green Grass”, “I Wish I Was In New Orleans”, “No One Knows I’m Gone”), a experiência chega a ser intrigantemente sedutora.
(2008)
4 comments:
A bandeirinha na capa do disco é que ficava mesmo bem...
Se a Scarlett chegar a ver o post do João Lisboa, vai estranhar a relação que existe entre o disco dela (actriz? cantora?) e a Abkhazia.
Não vai haver problema: em todo o lado, existe sempre um português. O que estiver mais próximo dela clica no label "Abkhazia" e, depois, explica-lhe as razões de a bandeirinha ali estar. E, assim conquistamos o apoio da miúda para a nossa selecção. A da Abkhazia.
O disco está muito bom. É sobretudo um disco do produtor, que optou por uma parede de som, e a voz da rapariga volteia nesse jardim emaranhado. Cantar Waits é fácil. Basta estragar a voz com bagaço e tabaco.
Prefiro a Scarlett ao Waits. Mas sou suspeito, sou da escola antiga, prefiro mulheres a segurar o microfone. Grupos com vocalistas têm a minha adesão imediata. Pratico a discriminação genética embora seja crime.
A Phoebe Killdeer, vocalista dos Nouvelle Vague, tem um disco bastante jeitoso.
Acabadinho de ouvir...de inicio estranha-se depois entranha-se..preconceitos e centimetros de lado..tira-se “I Don’t Wanna Grow Up” e quase, quase gosto mais de “I Wish I Was In New Orleans”, que do original....de resto.. a miúda até que nem é feia...
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