03 April 2008

O ERRO DE EINSTEIN
(dossier do número de Abril de "La Recherche")


A Flagelação - Piero della Francesca

"A Lua está realmente ali quando ninguém a está a observar?" Esta reflexão filosófica de que os físicos se apropriaram tem sido objecto de debate desde há séculos. Em substância, ela coloca a questão de saber se as nossas observações revelam seja o que for sobre um "mundo real" que existiria independentemente das nossas observações e, se sim, como seria ele".

(...)

"Atribui-se ao grande pintor italiano Piero della Francesca, mestre do Renascimento e teórico da perspectiva, a fórmula "Nulla imago sine perspectiva". Ora bem, segundo a interpretação relacional, a mecânica quântica demonstra que isto não é apenas verdade em relação às imagens, mas também relativamente a todos os objectos físicos".

(...)

"Defender que os objectos não possuem nenhuma propriedade intrínseca, não será, com efeito, negar e existência deste mundo exterior que a Física pretende descrever? Não será adoptar uma posição perigosamente idealista, senão francamente antirealista? Não será anunciar a morte da Física como ciência objectiva? Questões escaldantes... Sublinhemos simplesmente que, no passado, a Física nunca pôs em causa a ideia de que existe um mundo fora dos nossos espíritos e que é possível descrevê-lo racionalmente; por outro lado, demonstrou mais do que uma vez que este mundo não é tal como o imaginávamos. A Terra não está imóvel. O tempo não é absoluto. Terá chegado a hora de rever mais uma vez a nossa imagem do mundo e de levar a mecânica quântica realmente a sério? A realidade objectiva, nem absoluta nem independente, será, afinal, relacional?"

(2008)

9 comments:

Ana Cristina Leonardo said...

A realidade objectiva, nem absoluta nem independente, será, afinal, relacional?

Julgo que esta interrogação (com algo de pomposo) podia ser transformada numa afirmação banal. E porquê invocar a quântica? A gravidade é uma força relacional, por exemplo. Aliás, também não vejo como é que o relacional nega que "deus não joga aos dados".

João Lisboa said...

Citei três excertos de um dossier com um porradão de páginas. A coisa é consideravelmente mais complexa (e, para mim, desgraçadamente, em grande medida, indecifrável) do que, apenas pelo que citei, pode parecer.

Leopardo, compra "La Recherche" - está por aí à venda nos sítios do costume - e vais ver que não podes (não podes mesmo) simplificar assim as coisas.

João Lisboa said...

Ah... e podes ir espreitar ao site da "Recherche" uns links jeitosos que eles lá colocaram e que - mesmo para mentes matematicofisicamente constrangidas como a minha - acendem um ou outra luzinha.

Ana Cristina Leonardo said...

claro que a coisa é complexa (MUITO), e na realidade a quântica é impenetrável, tanto para mentes matematicofisicamente constrangidas (como as nossas) como para os próprios físicos.
mas cheirou-me a frase pomposa, de efeito, por isso é que coloquei a pergunta.
do bater de asas da borboleta do outro lado no mundo a eu estar a deixar este post, tudo é relacional. o que se deduz daí é outra história.
Fui espreitar o site: um mundo por explorar!

Carlos Santos said...

Bom, o meu francês não é lá muito bom, mas o que me parece que entendi foi que partindo do pressuposto que todas as partículas interagem umas com as outras, qualquer que seja a distância entre elas; partindo de outro pressuposto que, alterando as características de uma partícula se altera as características de todas as outras; e, ainda, partindo de outro pressuposto que, sempre que consigo observar uma partícula lhe altero irremediavelmente as características, uma vez que lhe adiciono luz (princípio de Heisenberg), então estou a alterar irremediavelmente as características de todas as outras ao mesmo tempo.

Como não sabemos as características das partículas antes de as alterarmos, então assume-se que não tinham qualquer característica antes. Ou seja, só quando vemos as características é que sabemos quais são, mas como as alteramos só as actuais são válidas. As anteriores não existem. Se antes de vermos algo, esse algo não tem características, então não existe.

É o mesmo que dizer "Tu não existes até eu olhar para ti."

Está algo deturpado, embora com expressão científica, mas, em minha opinião, não podemos dizer que, pelo facto de não conhecermos as características de algo antes de o vermos, que esse algo não existe. Estamos é rodeados de ignorância, nunca de inexistência.

Ana Cristina Leonardo said...

o problema é que a quântica não parece aplicar-se aos gatos!

João Lisboa said...

Ena, vieste mesmo, Nick!...

Na minha gigantesca grunhice científica, deixa-me, no entanto, ensaiar outra interpretação: quando dizes "Se antes de vermos algo, esse algo não tem características, então não existe.
É o mesmo que dizer 'Tu não existes até eu olhar para ti.'", não se poderia dizer "Tu existes antes de eu olhar para ti, mas antes, durante e depois, só vejo aquilo que eu, com o meu aparelho de percepção, posso ver, naquele(s) momento(s). Logo, embora existas, nunca saberei como 'realmente' és"?...

João Lisboa said...

"o problema é que a quântica não parece aplicar-se aos gatos!"

Interroguei o trio residente acerca disso e, por mais que insistisse, não se descoseram.

Carlos Santos said...

ups, isto já estava a quase a ser enterrado.

Basicamente é isso que está latente na notícia. Estão a levantar a velhíssima (milenar) questão do que não se vê não existe.

IMHO isso não é verdade. O Tejo existe e está aí. Eu estou aqui no Porto e não o vejo. Eu acreditarei em ti se me disseres que o Tejo existe. O Tejo existe?

O que quero dizer é que o universo está lá. Nós não o vemos em toda a sua extensão, mas à medida que o vamos descobrindo, vamos percebendo cada vez mais que ele sempre existiu.

Por isso disse ali em cima que estamos é rodeados de ignorância, nunca de inexistência.

Tudo isto me faz pensar no seguinte: não conseguimos ver o macro cosmos em toda a sua extensão por ele ser demasiado grande e não conseguimos ver o micro cosmos em toda a sua extensão por ele ser demasiado pequeno.