28 April 2008

ENSAIO ABERTO



Existe uma particular estirpe de vírus patriótico – um dos mais temíveis no universo do ultramicroscópio – que, em grupos de risco especialmente vulneráveis, tende a desencadear intensas tempestades emocionais sempre que, por exemplo, se anuncia que o concerto de Lisboa da banda X “será o primeiro da digressão europeia” ou que, no Porto (evento menos provável mas aqui incluído por efeito de outro microorganismo, o vírus regional), terá lugar “a última etapa da tournée mundial” do músico Y. A virologia não será ainda uma ciência absolutamente exacta mas, apesar da má reputação de “ser o último”, há que dizer que, regra geral, as probabilidades de um bom concerto concentram-se mais na segunda hipótese. Relatório da mais recente experiência em abono desta tese: na passada segunda-feira, no Coliseu de Lisboa, Nick Cave e os Bad Seeds não poderiam ter tido mais enternecedora simpatia do que a de nos terem convidado para o primeiro ensaio de conjunto que antecede o périplo europeu de apresentação de Dig, Lazarus, Dig!!!. Tratava-se, naturalmente, de uma oportunidade para aquecer os motores ainda, em larguíssima medida, consideravelmente perros, de, entre canções, entabular pequenos concílios para fazer acertos de alinhamento, de evidenciar algum sentido autocrítico (explicitamente, no caso de “Get Ready For Love”, em que Cave admitiu “That was a fucking disaster!” – mas, se o tivesse repetido mais meia dúzia de vezes, não andaria longe da verdade) ou de, em regime de discos pedidos, recorrer à democracia directa. Com um som de sala (e, eventualmente, de palco, o que explicaria várias pequenas catástrofes) em renhido combate com o do Pavilhão Atlântico pelo título de “o mais abominável”, salvaram-se alguns clássicos, “Jesus Of The Moon” do novo álbum e, de um modo geral, a atitude “foi porreiro, pá” de quem reencontra velhos amigos em palco e não se importa de partilhar isso (pagando, claro) com uns milhares de alfacinhas bem dispostos. Daqui para a frente, só pode melhorar. (2008)

3 comments:

Menphis said...

No Porto estiveram muito bem, embora admita que passados algum tempo estarão muito melhores, apenas como registo negativo não terem cantado a " Into my arms" porque os roadies esqueceram-se do baixo.

Anonymous said...

«Existe uma particular estirpe de vírus patriótico – um dos mais temíveis no universo do ultramicroscópio – que, em grupos de risco especialmente vulneráveis, tende a desencadear intensas tempestades emocionais sempre que, por exemplo, se anuncia que o concerto de Lisboa da banda X “será o primeiro da digressão europeia”»

Eu, infectado pelo vírus me confesso, quando vou a concertos de músicos que muito admiro (ser ou não a primeira digressão é-me indiferente). Aconteceu-me o mesmo com a Aimee Mann o ano passado. Gostei muito mas já esqueci. Com o Nick Cave vai-me acontecer o mesmo. Mas, de facto, adorei.

saturnine said...

no Porto foi bom. :') cito aliás um amigo meu, muito caricato no seu entusiasmo: "ele não faz melhor que aquilo, pá, aquilo é ele no seu melhor!" :')