A TREMENDA VERDADE
American Music Club - The Golden Age
Quando, por altura da publicação de San Francisco, conversei com Mark Eitzel (no dia seguinte a um devastador concerto, a solo, no Shaw Theatre, de Londres), dizia ele com aquele sentido de humor ácido e autodepreciativo que raramente abandona: “American Music Club é um nome estúpido com as três piores palavras possíveis: espera-se algo de espalhafatoso (ou, então, blues...) e saímos nós”. E acrescentava: “Canções felizes, comigo, não têm vida muito longa no papel. Escrevo sobre o que me excita. É como se houvesse uma espécie de prazer na dor que faz parte da vida e é uma forma muito precisa de reagir ao mundo”. Esse iria ser, durante uma década, o último álbum da banda (individualmente, Eitzel publicaria meia dúzia de gravações) que, apenas em 2004 se voltaria a reunir para Love Songs For Patriots, um álbum-em-tempo-de-guerra.
Quatro anos depois, The Golden Age (alerta: ironia muito negra!) retoma praticamente o programa que Mark Eitzel expunha em 1994 e, se aqui e ali, ele parece voltar a prestar alguma atenção ao mundo-lá-fora (“the bankers, the liars and the thieves they want to sell you into a life of fear, they call it a plan to make you free”, de “The Sleeping Beauty”, quase ecoa “Who are the ones that we kept in charge? Killers, thieves and lawyers”, de “God’s Away On Business”, de Tom Waits, em Blood Money), é, no entanto, o surdo confronto dos demónios interiores que regressa intacto, num tremendo programa de canções em equilíbrio instável entre o “crooning” suicidário, o rasgão dos espasmos eléctricos da guitarra de Vudi, o requinte Bacharach/Prebab Sprout e a valsa ebriamente demente. O mais “feliz” que Eitzel consegue mostrar-se é “all the lost souls welcome you to San Francisco, a city built by fire trucks and skeletons who grin and grin, pimps and thieves who can’t believe their luck, saints proud to show you their sin”. A partir daí, a espiral desce infinitamente até – como diria Leonard Cohen – à “awful truth which you can't reveal to the eyes of youth": “No one here will ever save you”. (2008)
2 comments:
A Salvação é um mito demolido definitivamente nos tempos atuais. Sobra somente a salvação individual.
Mas dá muito trabalho.
Reparo, agora que vim aqui procurar uma coisa (que eu cá sei), que escrevesteS "o requinte Bacharach/Prebab Sprout". E deixa-me dizer-te também que ebriamente demente é muito bom, porque dá vontade de continuar a dizer e a andar à roda.
Post a Comment