TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXXIII)
"Os músicos que escolhemos para The Black Rider tanto provinham da música clássica como tocavam em estações de comboio. A princípio, houve um certo conflito na orquestra. Alguns tipos não sabiam ler música e outros tinham tocado na sinfónica de Berlim; eram um bocadinho peneirentos.
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"As canções são uma coisa difícil porque, se são óbvias demais, entram por um ouvido e saem pelo outro. Se não são suficientemente óbvias, nunca chegam a entrar. Ninguém ouve uma canção como se estivesse a ler um manual de instruções. Entram em nós como se alguém nos estivesse a contar um sonho. Ouvimo-la e relacionamo-la com o nosso próprio sonho.
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"Liberace era o Arthur Rubinstein dos pobres. Tocava em salas de vaudeville. O seu número era 'Olhem para as minhas jóias e para as minhas peles. Com que então saíram do vosso apartamentozeco gelado para virem ao teatro? Vejam lá o que eu tenho para vos oferecer!'
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"Casei-me, despedi o meu manager, e eu e a minha mulher produzimos um disco. Nunca tinha feito nada parecido antes. Ela lançou-me fogo. Nessa altura, eu estava a tentar descobrir a minha verdadeira voz. Até aí, tinha a cabeça assente sobre o corpo de um outro. Sabia do que gostava mas nunca tinha realmente aprofundado isso no que me dizia respeito. Tinha diversas influências musicais irreconciliáveis com as quais não sabia o que fazer. Gostava de Ray Charles e dos Yardbirds. O que é que se pode fazer com isto? Ela desafiou-me a ter a coragem de dizer ‘Porque é que cada canção não há-de soar um bocadinho diferente, como uma compilação?’.
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"Para a maioria dos músicos, há o onstage e o backstage. Eu cresci mais ou menos em público. Tinha vinte e dois anos quando gravei o primeiro disco. Ainda andava a tropeçar pelas escadas abaixo. Não fazia ideia do que estava a fazer mas sabia que iria ser músico. Há pessoas que aparecem logo completamente formadas, como um ovo. Comigo, não aconteceu assim. Fui juntando as peças pelo caminho. Uma persona de palco é muito diferente daquilo que somos. De facto, uma persona é algo que não acreditamos ser mas que tentamos desesperadamente convencer os outros que somos.
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"Sabe o que é o pior de tudo? É quando alguém diz 'Ele não morreu já?’. E, na verdade, não morreu ainda. Mas, como não ouvimos nada dele há muito tempo, assumimos que morreu. Se não publicamos um disco durante uns anos, começam a circular rumores de que temos cancro da garganta. Ou diabetes. E amputaram-nos uma perna. Ou que ficámos sem um olho numa zaragata. É espantoso o que se conjectura.
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2006
(2008)
01 March 2008
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