11 February 2008

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXXI)



"Não sei bem o que são fantasmas mas estar numa sala cheia de máquinas, participar numa experiência musical e, noventa anos mais tarde, muito depois dela ter sido demolida e das pessoas que nela estiveram terem morrido, podermos ouvir o que se passou naquela sala, o que nela foi gravado, é um bocado fantasmagórico. Usamos a palavra 'captar' quando falamos acerca de registar qualquer coisa numa fita. É porque se trata de algo que está vivo. Não se trata de caçar um espécime morto ou vivo. Queremos capturar aquela música naquela fita. Tem mesmo de ser apanhada viva.

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"Ninguém vive uma canção da mesma forma que outra pessoa. Quando escutamos uma canção, misturamos os nossos sonhos e experiências com essa canção. Por isso, é sempre uma coisa única, é a nossa vivência dessa canção, a nossa experiência. É como receber uma carta e misturar a nossa vida naquela poção. É como os desenhos que os nossos putos colocam na porta do frigorífico, passam a ser os nossos desenhos.

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(de Coffee & Cigarettes - Jim Jarmusch, 2003)

"Eu sou a Ingrid Bergman e a Kathleen é o Bogart. Ela tem um brevet de piloto de aviação e, antes de nos casarmos, estava para ser freira. Pus um ponto final nisso. Ela sabe de tudo desde reparação de motos até à alta finança e é uma excelente pianista. Uma das maiores autoridades mundiais acerca da violeta africana. É feita de material muito rijo. É como a Super-Mulher, com a capa a flutuar ao vento. Funciona. Já andamos nisto há muito tempo.

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"Uma vez, fui numa visita de estudo com um grupo de miúdos a uma fábrica de guitarras para lhes mostrar como elas são construidas. Andávamos por ali e eu olhava à volta à espera que alguém me reconhecesse ou dissesse 'Você não é aquele tipo da música? O cantor?' E nada. Ninguém. Ficámos por ali cerca de duas horas a vê-los colocar os trastos nas guitarras e eu à espera, à espera... Uma semana mais tarde, fui com o mesmo grupo de miúdos noutra visita de estudo a uma lixeira e, assim que parei, não me perguntem porquê, tinha a camionete rodeada de gente a pedir autógrafos. Era uma lixeira, por amor de Deus! Parece que nas lixeiras toda a gente me conhece...

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2002

(2008)

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