06 December 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXV)



"Há meia dúzia de dias, um homem morreu sufocado por uma Bíblia de bolso. Tinha 287 páginas. Sentia-se possuído pelo mal, por isso queria meter a Bíblia dentro dele. Do que as pessoas são capazes! Graças a Deus que há jornais ou nunca saberíamos ao que chegam alguns de nós!

(...)

"Devemos lutar a todo o custo pela nossa independência e liberdade. Continuamos a viver no regime das plantações de algodão. Uma editora discográfica é apenas um banco que te empresta uns dinheiritos para fazer um disco e que fica proprietária de ti para toda a vida. Nem sequer somos donos do nosso próprio trabalho.

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"Não tenho computador. Está no fundo da piscina do meu quintal com a televisão e as bolas de golfe. O cibermundo cria a ilusão da comunicação. Coloca-se a palavra 'ciber' antes de outra qualquer e parece que fica logo tudo 'novo e melhorado'. Faz parte do vírus publicitário. Ciberconversas, ciberpaixões, ciberdescobertas. É uma forma de nos venderem coisas que já estavam disponíveis. Desconfio muito disso. Parece-me que o progresso é obsessivo e compulsivo. Tenho a sensação que as pessoas não estão a sair de casa. Passam a vida à frente dos computadores e tudo lhes chega através do ecrã. É o que toda a nação realmente quer mas qualquer coisa que seja assim tão popular ou tão facilmente acessível habitualmente não é boa para nós. É como a água da torneira, não é boa para beber, não passa de químicos e mijo reciclado. Acho que estamos no meio de uma revolução e ninguém sabe de que lado vêm as pedras.

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"Por onde andei nos últimos seis anos? Na escola de condução. A outra resposta popular é 'a trabalhar nas minhas esculturas de gelo'.

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"Dou sempre comigo a ter uma caixa onde se podem encontrar jóias de prata, arroz, cassetes, uma escova de dentes, uma velha garrafa de vinho. Uma vez que mudámos de casa, descobri uma pizza arrumada juntamente com os meus discos. Porque a caixa da pizza era exactamente da mesma dimensão dos discos. Por isso, nem sempre tenho um método. Há coisas que não têm a ver rigorosamente com o sítio onde estão. Mas conservo-as lá.

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"Sou a favor de tudo aquilo que faça uma cultura andar para a frente. Recentemente, comi sushi no México. O tipo perguntou-me se eu o queria com queijo! É a isto que eu chamo uma cultura viva.

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1999

(2007)

2 comments:

Ana Cristina Leonardo said...

Um dia havia de acontecer: roubei-te um bocadinho de Tom Waits e servi-o na Pastelaria

João Lisboa said...

Por mim, no problemo. E acho que ele também não se opõe.