13 November 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXII)



"A minha mulher e eu temos uma pilha de artigos de jornal que achamos fora do vulgar, excêntricos ou bizarros. Quando o ano chega ao fim, pegamos na pilha e lemos os artigos, a versão condensada do jornal, o que muda a percepção que temos das coisas. Com os discos faço o mesmo. Compro-os e não os oiço logo. Arrumo-os nas traseiras e só vou buscá-los um ano depois. Às vezes, têm qualquer coisa a ver com o que vivemos nessa altura. É como nos filmes antigos: não conhecemos os actores, com quem namoram, nem sequer sabemos o apelido deles. E, no entanto, eles ali estão. Eles e uma história maravilhosa que paira sobre o tempo. É por isso que eu penso que, quando criamos, vivemos obcecados pela cultura popular. Ou é popular ou não existe.

(...)

"Há um bar chamado Red's Recovery Room. Claro que é tudo menos uma sala de recuperação. Mas isso também depende do que nós entendemos por recuperação. A maioria das pessoas que o frequenta está a recuperar da sobriedade.

(...)



"Em 'Big In Japan', imagino-me a entrar no porto, a destruir postes electricos, atirando automóveis ao ar, entrando por ali dentro como Godzilla e arrasando Tóquio. Há pessoas que são muito famosas no Japão e ninguém sabe quem elas são em mais sítio nenhum. É como ir até Marte. Ou como um mercado de sucata do 'entertainment'. Pode-se ir até lá e encontrar gente que não ouvíamos há vinte anos. Foram viver para lá e veneram-nos como deuses. E, depois, também há aqueles que têm uma imagem muito requintada e se recusam a fazer anúncios mas que, no Japão, fazem contrabando de cigarros, roupa interior, sushi, whisky, óculos de sol, carros em segunda mão e toalhas de praia.

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"Há muitos anos, estava num hotel no México e tinha apenas comigo um gravador pequeno. Pu-lo a gravar e comecei aos gritos e a bater numa cómoda com toda a força, procurando imitar o som de uma banda inteira. Guardei essa gravação. De vez em quando, ouvia essa cassete e dava-me muita vontade de rir. Acabei por usá-la em 'Big In Japan'.

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"A única razão para escrevermos canções novas, como dizia o Miles Davis, é termo-nos cansado das antigas. Deitam-se umas fora e arranjam-se outras. Não é assim nada como se tivéssemos sido atingidos por um raio. Tudo começa com qualquer coisa que me diverte e que eu deixo que passe através do meu espírito juntamente com muitas outras. Centenas de melodias e de ideias passam-nos pela cabeça quando não estamos a escrever. E nós permitimos que isso aconteça. Quando começamos a escrever construimos uma pequena barragem e começamos a apanhá-las. É a velha teoria da rede de borboletas.

(...)

1999

(2007)

5 comments:

Ana Cristina Leonardo said...

Espero, sinceramente, que isto NUNCA acabe

João Lisboa said...

Parece-me que ainda vai sobreviver ao ano novo.

João Lisboa said...

Estive a tomar umas notas e a fazer contas de cabeça e cheira-me que, pelo menos até à próxima Primavera, ainda chega.

Anonymous said...

SÓ????? Queres-nos matar por antecipação?

Anonymous said...

amigo joão Lisboa então para quando uma artigalhada sobre Peter Hammil e o gerador van der graaf?

ainda será este ano?

saudações e agradecimentos, muitos, pelo ar fresco.