16 November 2007

MANCHESTER NUNCA EXISTIU



24 Hour Party People - realização de Michael Winterbottom

Manchester, como se sabe, não existe. E o mesmo se passa, evidentemente, com Bristol, Seattle, Berlim, Glasgow ou Reikjavik. Quero dizer, enquanto "centros produtores" e "origem" de "um som" ou de "uma cena", todas elas foram criações dos media e da indústria discográfica, sempre ávidos de desencantar a novidade seguinte e de a impôr através da estratégia de marketing ("o som de") mais rápida e mais rapidamente rentável. Não é preciso ser bruxo para adivinhar que os músicos de Bristol não soam todos como, um dia, a meio dos anos 90, os Portishead sonharam ou que todas as bandas de Seattle não juram pela matriz dos Nirvana. E em Manchester — tanto na versão "early eighties"/Joy Division/Durutti Column/A Certain Ratio como na posterior Madchester/Happy Mondays/Stone Roses — também não há nada de peculiar na água que ponha todos os seus músicos a tocar os dós, os rés e os mis da mesma forma. Simplesmente, aqui e ali, um ou outro caçador de talentos, produtor ou responsável editorial mais astuto detectou a tempo a diferença emergente e a máfia do "hype" tratou do resto.



24 Hour Party People conta a história de como isso aconteceu em Manchester sob os auspícios de Tony Wilson, da sua editora Factory e do clube Haçienda mas fá-lo de uma forma tal que — caso se desconheça a história real — deixa imaginar que tudo aquilo decorreu numa região geográfica isolada do restante universo onde aqueles que o filme apresenta, não coexistiriam, ao mesmo tempo, por exemplo, com os Echo & The Bunnymen, Sound, Comsat Angels, Bush Tetras, Rip Rig & Panic, Theoretical Girls, Cabaret Voltaire, Gang Of Four, Talking Heads, This Heat, ou The Feelies: segundo a versão de Michael Winterbottom, Manchester só começou a existir no final da década de 70 e só voltou a reemergir no final da seguinte, tudo se deveu a Tony Wilson e à Factory e o resto do mundo (o próprio resto do Reino Unido...) assistiu deslumbrado e sem qualquer espécie de contribuição. Talvez um pouco mais tolo ainda é que todo o desenrolar da narrativa se fique pelos "fait divers", pelos lugares mais comuns e pela anedota da época: Joy Division e New Order seriam ou não alusões nazis, Shaun Ryder e os Mondays conseguiam, sozinhos, esgotar o stock de dez farmácias (e as drogas, não é verdade? dão cabo de tudo), Martin Hannett não batia bem, se não fossem os Sex Pistols nada disto tinha acontecido e, na boa e velha tradição rock'n'roll, as mulheres são "a good shag", troféus de caça ou, pura e simplesmente, putas que podem acumular ou não essa função com a de "backing singers". Com mais ou menos ironia e distanciamento "pós-modernos" (e como isso já soa irremediavelmente datado e francamente metido a martelo!), saber o que representou a música de Ian Curtis, de Vini Reilly, dos Magazine, The Fall ou A Certain Ratio no panorama da pop britânica e mundial seria pedir claramente demais ao filme de Michael Winterbottom. Ele só quer contar umas piadas "cool" e, às vezes (mas só às vezes...), até tem graça. (2002)

5 comments:

Anonymous said...

JESUS também sabe cantar.

João Lisboa said...

O... ... ... lé!

Anonymous said...

"Durruti"!

João Lisboa said...

"Durruti"!

Pois é... mas eu não tenho culpa que o Vini seja disléxico: o velho anarquista espanhol a quem ele roubou o nome para a banda era o Buenaventura Durruti. É verdade, dois "r" e um "t"... também aí meti água.

Anonymous said...

Sabia do anarquista. A príncipio também me baralhava o nome, mas nunca reparei na diferença. Pelo que li na wiki não foi dislexia do Vini mas sim intencional.