DEFESA PAGÃ DO URSO POR RAZÕES DE CALENDÁRIO - COMO AQUI SE CONFIRMA E MELHOR SE ESCLARECE - INTEIRAMENTE JUSTIFICADAS (III)
"A ideia principal era a do encontro entre o homem de Deus e o rei dos animais, entre a ordem divina e a ordem natural e selvagem. Ideia que se descobre em todas as histórias pondo em contacto urso e santo, desde a época merovíngia até ao coração da Idade Média: o santo domina a fera; domina a sua violência, dá-lhe ordens, faz-se obedecer por ela, obriga-a a trabalhar, transforma-a em animal doméstico, quando não mesmo em autêntico companheiro; por vezes, converte-a à religião de Cristo. (...)
S. Martinho abandona a vida de cavalaria, de Simone Martini
(sec. XIV)
(sec. XIV)
Na Gália, em diversas dioceses, os bispos, em vez de celebrar a festa do urso, propõem desde o século V a celebração de S. MARTINHO, enorme santo, por vezes qualificado de décimo-terceiro apóstolo, evangelizador dos campos, fundador de numerosas paróquias, futuro padroeiro da monarquia francesa. (...) Era necessário todo o prestígio de Martinho, dos seus milagres e da sua lenda para pôr fim a uma festa ursina particularmente resistente. Esta escolha foi especialmente pertinente porque o santo estabelecia diversas relações com o animal: (...) Martinho, de partida para Roma, obrigou um urso a carregar as bagagens de S. Maximino, substituindo o burro que a fera devorara; o nome "Martinus" associa-se a outras palavras que designam o urso em diversas línguas indo-europeias (a raiz "art-"), nomeadamente nas línguas célticas. (...) Esta lenda pode ajudar a compreender por que motivo, nas tradições medievais, muitos ursos receberam o nome "Martinho".
A Caridade de S. Martinho, de Jean Fouquet
(sec. XV)
(sec. XV)
(...) Progressivamente, o exemplo da Gália foi imitado em boa parte da Europa Ocidental: o 11 de Novembro, antiga festa celebrando a hibernação do urso, transformou-se praticamente em todo o lado no "dia de S. Martinho", data-chave do calendário hagiográfico, económico e popular. (...) Pouco a pouco, foi-se, assim, estruturando uma imensa rede de festas cristãs que recobriu na totalidade os antigos calendários romanos e bárbaros. Isto permitiu à igreja abafar - e quase erradicar - a maioria dos cultos prestados às divindades pagãs, às criaturas mitológicas, aos astros, às forças da natureza e, sobretudo, aos animais. Gradualmente, em cada diocese, em cada paróquia, uma festa decidida e consagrada pela igreja sobrepôs-se a uma antiga festa bárbara e acabou por a substituir". (L'Ours/Histoire d'un Roi Déchu - Michel Pastoureau, La Librairie du XXIème Siècle/Seuil, 2007)
(2007)
1 comment:
Deve ser, então, por causa do urso, que o S. Martinho é a única festa do calendário oficial a que acho graça. Desde que não seja passada na Golegã
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