Do outro lado do telefone, ao meio dia de Los Angeles, responde-me uma voz afeiçoada ao calor do "bourbon" desde o biberão. E começa por me fazer queixas amargas acerca do jornalista anterior que lhe telefonou com vinte minutos de atraso em relação à hora combinada, motivo pelo qual o mandou passear. Asseguro-lhe que eu não sou ele e, depois de me obrigar a prometer-lhe que não deixarei de participar tão grave ocorrência à editora, então, Chuck E. Weiss, dispõe-se a conversar. Chuck quê? A personagem é tão mítica quanto obscura e caracteriza-se por duas referências em canções de Tom Waits e Rickie Lee Jones e uma portentosa discografia de dois álbuns separados por um espaço de dezoito anos em que, desculpa-se ele, "esteve distraído". O segundo, Extremely Cool, co-produzido por Tom Waits, Johnny Depp e Kathleen Brennan acaba de ser publicado e (quem sabe?) passará a constituir o essencial do seu reportório até 2017. No final da entrevista, reconhecido, o cavalheiro diz-me "Thank you, sir, for making it easy for me". De nada, Chuck.
Desde que, em "I Wish I Was In New Orleans", o Tom Waits se referiu a "that old Chuck E. Weiss" e, pouco depois, Rickie Lee Jones lhe dedicou "Chuck E.'s In Love", sempre me interroguei quem seria essa personagem misteriosa. Agora que sai este seu disco, vai ter de me desvendar o enigma...
Na altura em que o Tom Waits escreveu "I Wish I Was In New Orleans", eu andava muito com ele e escrevíamos canções em conjunto. Há até uma canção minha, "Spare Parts", que ele incluiu em Nighthawks At The Diner. Conheço-o e somos amigos desde 72 embora não nos tenhamos encontrado aqui em Los Angeles mas sim em Denver, no Colorado, de onde eu sou. Por volta de 75, mudei-me para cá e conheci a Rickie Lee que era empregada de mesa e, ao mesmo tempo, tentava começar a cantar o que conseguiu, pela primeira vez, no "Troubadour" onde eu trabalhava como cozinheiro. Tornámo-nos amigos e, mais tarde, fui eu que a apresentei ao Tom. Pode-se dizer, figurativa mas não literalmente, que eu fui o "middle man" entre eles os dois.
Quando a Rickie Lee escreveu essa canção sobre si, estava mesmo apaixonado?
Não tenho bem a certeza, vai ter de lhe perguntar a ela! Sabe, naquele tempo, eu também me apaixonava com muita facilidade...Agora já não tenho tanta sorte...
Para além do Tom Waits e da Rickie Lee Jones de que conhecemos os percursos, o que aconteceu depois a esse grupo de artistas de que vocês faziam parte?
Essa cena tinha como quartel general o Tropicana Motel que era onde vivia a maioria dessas pessoas como nós, o Sam Sheppard ou o grupo punk Dead Boys. Quando os Blondie ou os Ramones vinham a Los Angeles, também ficavam lá. Não sei se está a ver, mas era um sítio bastante doido, como um dormitório sem vigilantes...(risos). Nunca ninguém deu um nome a essa nossa pequena cena apesar de ela ser muito especial. E parece-me que isso foi bom porque, até hoje, nunca foi explorada por ninguém. Agora, de repente, toda a gente parece muito interessada nela mas, na altura, era uma coisa bastante privada onde experimentávamos bastante com o "spoken word" que foi exactamente o mesmo ponto onde o rap e o hip hop acabaram por ir ter.
Entretanto, há dezoito anos, chegou a gravar um primeiro álbum que eu nunca consegui encontrar...
Ainda bem que nunca o ouviu porque desconfio que não gostaria muito dele. Chamava-se The Other Side Of Town e era uma "demo tape" que a Select transformou em disco porque não conseguiram arranjar dinheiro para eu gravar canções novas. Ficou bastante inacabado. Sei que, em França, foi distribuido pela RCA Victor.
Li no "New Musical Express" que a justificação que dá para ter passado dezoito anos sem gravar é ter andado distraído...
Pois, é mesmo verdade, andei um bocadinho distraído...(risos). Mas, durante estes dezoito anos, toquei sempre, pelo menos duas vezes por semana, em clubes, bares ou na televisão. Nunca deixei de dar concertos.
Sei que também, juntamente com o Johnny Depp, se ocupou do clube "Viper Room"...
Foi um dos sítios onde, durante quase doze anos, eu toquei. Quando um dos donos morreu e o clube (que se chamava "The Central") ficou numa situação económica complicada, perguntei ao Johnny Depp se ele não estaria interessado em comprá-lo. Mudámos-lhe o nome para "Viper Room" porque ambos adoramos a "viper music" dos anos 20 e 30, aquele jazz que o Cab Calloway, o Duke Ellington ou o Cootie Williams tornaram famoso e que era típico de New Orleans, Chicago e Nova Iorque.
Que outras músicas foi ouvindo?
Praticamente tudo o que não quer dizer que goste de tudo. Tenho gostos muito particulares. Gosto de música pouco rebuscada e parece-me que a dos últimos vinte anos tem-no sido demais. Gosto de tijuanas, de um tipo noruguês chamado Lucas, de Scatman John, dos dois primeiros álbuns dos NWA e de uma "singer/songwriter" de Los Angeles, Eleni Mandell.
Fiz-lhe essa pergunta porque, neste seu disco, oiço ecos de "cajun", música de New Orleans, delta blues, dos Cramps...Está de acordo ou estou a dar tiros ao lado?
Não, tem toda a razão à excepção de que, apesar de nunca ter realmente ouvido muito os Cramps, se calhar, fui também influenciado pelo mesmo estilo "swamp" que eles. A canção "cajun" a que provavelmente se refere, "Oh Marcy", na realidade, não pretendia ser nesse estilo, a ideia era mais ser como uma "sea shantie" cantada por piratas no mar alto!...(risos). Mas saiu assim.
Qual foi a participação real de Tom Waits neste disco?
Escrevemos em conjunto duas canções e ele ajudou-me em certas decisões da produção em relação ao alinhamento e também na escolha do que incluir do total de vinte e duas canções que eu tinha.
É verdade que o "bluesman" Willie Dixon lhe chamava "that little jew boy from Colorado with the big old head"?
Ele disse isso, de facto, numa entrevista que deu pouco antes de morrer. Cantei e gravei com ele cerca de dez canções das quais três foram publicadas a meio dos anos 70 por uma editora que já não existe chamada Rolling Rock. Já houve quem me pedisse para autografar um desses discos mas são muito difíceis de descobrir.
Chamou ao álbum Extremely Cool. É assim que vê a sua música?
Não, esse é só o título de uma das canções que faz pouco de um certo tipo de pessoas com enormes contas bancárias e pilas muito pequeninas! (risos).
"Se David Lynch abrisse um bar de strip-tease a meio caminho entre os blues, o jazz e o submundo, Chuck E. Weiss seria o perfeito mestre de cerimónias". Concorda com esta definição que deram de si?
Não sei, tinha de pensar muito bem nisso. Mas, primeiro, iam ter de me assegurar que o David Lynch tinha mudado de corte de cabelo. Faz-me muita impressão olhar para ele assim... (1999)
2 comments:
eheheh!! Eu tive o vídeo do "so long" no meu space durante um ano praí. Servia de apresentação e era muito comentado, inclusive pelos Hell's Kitchen e pelo..Tigerman! Entretanto o vídeo foi retirado do tubo.
(reparei agora que o puseram lá de novo, vou pôr outra vez)
olha, olha, em 1999 já a eleni mandell andava por aí. tem olho para as miúdas, o chuck e.
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