DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (V)
Antony & The Johnsons - I Am A Bird Now
Imaginemos por um instante que Antony era uma personagem que não achava necessário afirmar coisas tolas e absurdas como "os transsexuais são das criaturas mais evoluídas e belas do planeta" e que não fazia da ambiguidade sexual um pretexto imperativo de afirmação. Não seria terrivelmente difícil imaginá-lo. Bastaria que não se lhe tivesse metido na cabeça a ideia de ressuscitar à viva força a atmosfera "glam" dos anos 70 e de, tarde e a más horas, supôr que o glorioso festim decadente da Factory de Andy Warhol poderia ser reencenado quarenta anos depois. Prescindindo, por exemplo, de sublinhar isso a traço muito grosso, com uma fotografia na capa da "superstar" warholiana, Candy Darling, no seu leito de morte. Imaginemos também que, para justificar a presença da voz de Julia Yasuda numa das faixas do seu álbum ("Free At Last"), não lhe parecia imprescindível partilhar connosco a informação de que "ela nasceu com cromossomas XXY, é hermafrodita". Esforcemo-nos por supôr, já agora, que Antony não tinha sido apadrinhado pela nomenklatura "neo-freak" norte-americana — Joanna Newsom, Devendra Banhart, CocoRosie — nem recebido o alto patrocínio do casal Reed/Anderson. Como se escutaria, então, I Am A Bird Now?
Muito provavelmente, apenas como um álbum de muito débeis canções, musicalmente assaz convencionais, onde se desperdiça o grande trunfo que possui (e que levou Lou Reed a convidá-lo para The Raven e digressões subsequentes): um timbre vocal de contra-tenor, algures entre Bryan Ferry, Nina Simone e Jimmy Scott, capaz de libertar da gravidade qualquer melodia. Acontece, porém, que as melodias que ele escreve de todo não o merecem. E não será por as transformar em cenário de um patético e rudimentar "peep show" sobre o sofá do psicanalista ("one day I'll grow up and be a beautiful woman, one day I'll grow up and be a beautiful girl", confessa-nos em "For Today I Am A Boy" para, pouco depois, em "Fistfull Of Love", muito pouco metaforicamente, se lamentar da aridez emocional de um episódio de "fisting" como forma de intimidade) que elas atingirão algum tipo de redenção. Nem por isso, nem pela convocatória (previsível, muito, muito previsível) para a sua guarda de honra de Boy George e Rufus Wainwright. Embora, tudo isso em conjunto, lhe garanta a quase total aclamação de quem não ousa desencadear a ira sagrada das hostes do politicamente correcto. (2005)
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7 comments:
O que não gosto nele é a sentimentalidade piegas e cócó à Tony Carreira. E eu gosto de músicas lamechas! (das antigas). O Antony é um esteta decadente neo-chic, ou seja, é um bimbo!
Idem!
C:)
um pouco injusto em relação às músicas: se é verdade que são simples/convencionais, também é verdade que essa simplicidade é, por vezes, difícil de atingir de modo a que o resultado final a catapulte para outros terrenos emocionais.
de acordo quanto ao resto.
«um episódio de "fisting"»
Não sei se isto é a mesma coisa daquelas labels de sites xxx em que mostram cenas dignas do David Copperfield. Mas gosto do "Por um punhado de dólares" do Leone.
"Não sei se isto é a mesma coisa daquelas labels de sites xxx em que mostram cenas dignas do David Copperfield"
É uma cena dessas, é: simultaneamente acrobática e de grande arcaboiço atlético.
"Mas gosto do "Por um punhado de dólares" do Leone"
Olha que não é bem o mesmo...
hey pá n consigo perceber os vossos pontos de vista..sinceramente..e fiz um esforço acreditem. pá esqueçam as letras..esqueçam as escalas virtuosas em milisegundos..o que a música tem pra dar o Antony fá-lo..e muitooooooo bem. Só a voz do gajo (ou gaja..pra mim é totalmente indiferente..ele pode a andar a levar nele q eu compro os discos na mesma) fascina o ouvido. e mais não digo.
e tentem ver o homem ao vivo e se calhar mudam de opinião.perfeito!
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