08 June 2007

DIVE FOR YOUR MEMORY



O ano 2000 já é um ano melhor. Pura e simplesmente porque The Friends Of Rachel Worth, o novo álbum dos Go-Betweens depois de uma ausência de doze anos, foi publicado. E qualquer ano que se possa orgulhar de exibir um disco do grupo dos australianos Robert Forster e Grant McLennan — mesmo que não seja dos mais sublimes, e, desses, há poucos — é sempre um ano melhor. Este, juntamente com Before Hollywood (1983), Liberty Belle & The Black Diamond Express (1986) e 16 Lovers Lane (1988), é, decididamente dos mais sublimes: dez canções inexplicavelmente perfeitas, daquele puríssimo classicismo pop de que só muito poucos conservam o segredo. E de que Robert Forster fala como se conhecê-lo fosse a coisa mais natural deste mundo e os Go-Betweens nunca tivessem deixado de estar connosco.

A primeira pergunta é um pouco óbvia: quando decidiram pôr fim ao grupo, fizeram-no porque, aparentemente, não lhe adivinhavam um futuro viável; porquê, então, regressar agora, o que se modificou?
Para começar, eu e o Grant nunca deixámos de ser amigos. Fizemos uma digressão acústica a dois, no ano passado, e como gostámos dessa experiência e, no fundo, sempre estive convencido de que voltaríamos a trabalhar juntos, esta pareceu-nos ser a altura certa.

Estive a ler uma entrevista do Grant de 1988 em que ele afirmava "nós escrevemos canções clássicas que duram para sempre mas essa noção de permanência, actualmente, está tragicamente fora de moda". Parece-lhe que, doze anos depois, as coisas já não são assim?
Acho que sim, o clima musical de hoje parece-me bastante mais confortável do que o dessa altura, no final dos anos 80. Há um maior número de coisas que se relacionam mais directamente com o tipo de música que, então, fazíamos.



O que falhou, então, na primeira encarnação dos Go-Betweens? Tanto quanto me apercebi, a banda era realmente venerada por um núcleo de fãs fidelíssimos embora não exactamente milhões... Foi essa dimensão reduzida do culto?
Não me parece que, verdadeiramente, tenha falhado alguma coisa. Gravámos optimos discos, como diz, as pessoas adoravam o grupo, na minha opinião, tivémos até um sucesso incrível.

Mas não foi isso que vos impediu de pôr fim ao grupo...
A razão por que nos separámos foi o facto de eu e o Grant estarmos já bastante fartos de fazer parte da banda — que existiu durante doze anos e gravou seis álbuns — e desejávamos dedicar-nos à nossa própria música. Não houve qualquer espécie de conflito ou de inimizade. Como lhe disse, continuámos bons amigos.

Mas sentiam-se satisfeitos com o estatuto que o grupo tinha, nunca desejaram ter uma maior popularidade?
Claro que teria sido fantástico se tivéssemos conseguido vender muito mais discos do que fizémos. As nossas vidas, evidentemente, teriam sido muito mais fáceis, poderíamos ter viajado muito mais...



Na mesma altura em que os Go-Betweens surgiram, quase chegou a dar a ideia que o futuro da pop — convosco mas também com os Triffids, os Church, o Nick Cave e vários outros — vinha da Austrália...
É verdade, no início dos anos 80 havia definitivamente um movimento de bandas australianas. Por duas razões principais: primeiro, os grupos desejavam sair da Austrália e conhecer o resto do mundo; depois, lá não existiam as estruturas mínimas que tornassem fácil assinar um contrato de gravação. As editoras estabelecidas eram extremamente conservadoras e as independentes não possuíam os recursos financeiros suficientes. Foi por isso que nós, por exemplo, tivemos de vir para Inglaterra para que alguém investisse o mínimo necessário para gravarmos um disco... Isso, hoje, felizmente, mudou muito. Na Austrália já existe uma rede importante de rádios "underground" e os grupos jovens já ganham minimamente para sobreviver sem sentirem tanto a necessidade de virem para a Europa.

Enquanto "songwriter" sentia-se muito australiano?
Sentia e ainda me sinto. Uma parte importante de mim como "songwriter" e dos Go-Betweens enquanto grupo tinha muito a ver com isso... Até aos vinte e dois anos nunca saímos para fora da Austrália e esses primeiros vinte anos de vida constituem sempre os alicerces daquilo que somos como pessoas.

É curioso porque a visão convencional do "mito australiano" é a de praias banhadas de sol, povoadas de deslumbrantes belezas bronzeadas e sem nenhuma outra preocupação para além de saber se as ondas estão boas para o surf. E, depois, quase todos os músicos que saem de lá escrevem canções desesperadamente românticas e angustiadas...
(risos) Não faço a mais pequena ideia porque é que isso é assim...Tudo isso é verdade, mas, de facto, para além desse postal ilustrado das praias, houve sempre uma certa escuridão. É um pouco como acontece com Los Angeles que também tem o mesmo tipo de atmosfera e é capaz de produzir igualmente música magoada e melancólica. Provavelmente, terá mais a ver com o que acontece à noite...



Ao fim destes anos, já consegue ter uma perspectiva sobre o "songbook" dos Go-Betweens? Tem álbuns favoritos, canções preferidas?
Sinto-me muito feliz por termos podido gravá-los a todos mas também me recordo de, quando, publicámos o primeiro, termos ficado terrivelmente desiludidos com ele O que teve o lado positivo de nos obrigar a empenharmo-nos imenso no Before Hollywood. Mas, para além desse primeiro, nunca me passaria pela cabeça a ideia de voltar atrás e retocar ou modificar fosse o que fosse. É uma história contada através de discos muito diferentes que, se quiséssemos aperfeiçoar, se calhar, ficariam todos a soar ao mesmo.

O meu preferido é, definitivamente, Liberty Belle & The Black Diamond Express... O que é que o fez tão especial?
É, realmente, um disco extraordinário... Foi o momento em que tomámos, de facto, as rédeas do que pretendíamos fazer. Quando terminámos o anterior, Spring Hill Fair (que nos pareceu ter sido excessivamente produzido), tivemos imediatamente a noção clara de como desejámos que fosse o seguinte, muito mais orgânico. Nessa altura, também já vivíamos em Londres há três anos e tínhamos começado a estabelecer relações e contactos.

Para este álbum de regresso, recuperaram antigas canções que não haviam editado ou são todas novas?
Decidimos gravar o disco em Maio. Eu tinha oito canções escritas desde 96 e o Grant tinha outras três.

Perguntei-lhe isso porque, quando comecei a ouvir o álbum, foi como se todos estes anos de ausência não tivessem existido e, de súbito, os Go-Betweens, tal como sempre os conhecemos, estivessem ali de novo...
(risos) Foi o que nós próprios sentimos e que também nos surpreendeu. Limitámo-nos a começar a tocar e tudo surgiu muito naturalmente. Não nos apetecia ir gravar para Londres ou para Nova Iorque trabalhar com músicos de estúdio durante seis meses. Queríamos apenas fazer um bom disco dos Go-Betweens muito natural e orgânico.

A propósito, quem é a Rachel Worth do título?
É uma personagem de ficção que nós inventámos. Não conheço ninguém com esse nome. Queria que soasse como o título de um filme ou de um livro policial. E que, quando as pessoas escutassem este nosso primeiro disco depois de doze anos de ausência, se interrogassem "mas de onde é que isto veio?".



Em diversas canções, onde recordam os tempos em que se divertiam a folhear revistas de surf, evocam nomes de praias ou se referem a Patti Smith, há uma certa atmosfera do que, numa canção anterior, falavam: "dive for your memory"...
É verdade, aconteceu mesmo assim. Mas todos esses temas e subtemas surgem um pouco acidentalmente. Escrevemos as canções ao longo de vários anos e não é deliberadamente que lhes impomos um tema único. Tem a ver com a nossa identidade, a nossa memória, tudo coisas inconscientemente presentes em nós.

Finalmente, depois deste disco, vão continuar connosco ou vão desaparecer outra vez?
Queremos continuar a trabalhar juntos e já pressinto a direcção em que poderemos seguir num proximo disco. Essa ideia entusiasma-nos muito, temos ainda coisas para dizer e, pelo menos, mais um álbum iremos gravar de certeza. (2000)

3 comments:

Anonymous said...

"Dressed in a white shirt with my hair combed straight
Here in my black shoes and me without a date..."

Um do melhores álbuns de sempre :)

Anonymous said...

Desta segunda encarnação dos GB gosto mais do seguinte Bright Yellow Bright Orange. Mas um grande regresso, sem dúvida. O Robert Foster, em especial, estava em grande forma com German Farmhouse e He Lives My Life.

Pena que tenha acabado...

Cheers!
João Nunes

Anonymous said...

Pena mesmo...

SP