07 February 2007

VENENO E ALGODÃO DOCE



Lloyd Cole - Antidepressant




Camera Obscura - Let's Get Out Of This Country

Não é preciso muito para que, desde os primeiros compassos de "The Young Idealists", fique absolutamente claro que Lloyd Cole continua a beber do mesmo cálice de veneno espumante que sempre foi o seu combustível preferido: um muito conciso instantâneo em "flash back" do percurso de sonhos juvenis convertidos em "neo-con economic dream", com desenlace final na pavorosa descoberta de que "there's no sinergy at all, the sinergy is broken".



E a confirmação (aliás, as dez confirmações, uma por cada das canções restantes) vem logo a seguir no delicado "scherzo" para arranjo de cordas "Woman In A Bar", onde o protagonista de outra vinheta de meia-idade se confessa "no longer angry, no longer young, no longer driven to distraction, not even by Scarlett Johansson". Ou, de forma ainda mais requintadamente florentina, no amável convite ao devaneio urbano sob o luminoso sol de Nova Iorque, "walking with the junkies and the millionaires". A tonalidade geral é amenamente melódica e gentilmente despreocupada — mas, desde os Commotions, que Cole nunca fez questão de embrulhar o seu "hate mail" em arame farpado —, a luva branca é de uso obrigatório, mas, ainda que seja inteiramente impossível concluir a escuta de Antidepressant (se isto é um ansiolítico, eu vou ali e já venho) sem meia dúzia de refrões agrafados aos ouvidos, convém reparar nos efeitos secundários que as palavras que trauteamos poderão induzir...



É o proprio Lloyd Cole que o confessa: "Sempre me pareceu que a minha música funciona do mesmo modo que os blues ou a country, geralmente escrevo acerca das coisas que correm mal. É a mesma sensação que tenho quando oiço os Tindersticks ou Tom Waits. É pouco provável que, nos tempos mais próximos, venha a escrever para as Ronettes". Não sei, não, Lloyd... pelo menos, valeria a pena prestares atenção a Let's Get Out Of This Country e notares como — com vinte e dois anos de atraso, é verdade, mas mais vale tarde que nunca — a Traceyanne Campbell, por entre fogo de artifício e serpentinas, te responde a uma antiga pergunta com um bastante explícito "Hey Lloyd, I'm ready to be heartbroken".



E não deverá ser-te indiferente que ela e os restantes Camera Obscura, sejam gente de Glasgow como tu. Abrigaram-se durante algum tempo sob o guarda-chuva dos Belle & Sebastian mas, a irmos pelas canções deste novo álbum, felizmente já se deixaram disso: sim, a sombra das Ronettes e das Shirelles e das Supremes e de Phil Spector e de muita Motown paira seriamente por aqui, o "name dropping" é bem recebido e aquela saudável tendência para envolver os males da alma em catedrais de algodão doce ("Come Back Margaret", "If Looks Could Kill", "I Need All The Friends I Can Get") tem todo o espaço para ser conduzida às mais desejáveis consequências.



Pop integralmente revisionista, sem dúvida, derivativa até à medula, mas praticada com uma tal candura e convicção que apetece não pensar muito nisso. E, não esquecer, uma afirmação como "I'm ready to be heartbroken" merece resposta rápida...

(2006)

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