VENENO
Para quem ainda não tinha reparado, a banda sonora de Magnolia deve ter dissipado as últimas dúvidas: Aimee Mann é uma das mais importantes "songwriters" contemporâneas. Justamente daquela estirpe — como aconteceu com a génese do filme de Paul Thomas Anderson — de cada canção conter o embrião em potência de um "script" para cinema. Com cada uma das treze de Bachelor nº2 (onde se incluem três dos temas presentes em Magnolia) passa-se exactamente o mesmo: como uma espécie de Elvis Costello no feminino ou de Suzanne Vega com pior feitio, de "How Am I Different" a "You Do", desfila uma galeria de situações e personagens sobre as quais a ex-'Til Tuesday vai destilando um insidioso veneno que (se as canções forem autobiográficas e os destinatários se sentirem atingidos) não lhe deve propriamente alargar o círculo de amigos, conhecidos e ex-namorados...
Recortadas num pano de fundo musical de puríssimo classicismo pop onde a melodia infecto-contagiosa predomina e os arranjos e instrumentação sublinham e adjectivam harmonicamente o sentido global, as circunstâncias variam entre o cinismo militante ("Once you were just our dear friend Ron, now you look out for number one, who would've guessed that you'd become what you hated"), o desespero puro ("So do me a favor, if I should waver, be my savior and get out the gun") ou a incredulidade perante a improvável felicidade ("And just one question before I pack, when you fuck it up later, do I get my money back?"). E, em todas elas, simultaneamente arrogante e falsamente ingénua, Aimee Mann como narradora, observadora, personagem secundária ou eventual protagonista, edificando cenários e animando personalidades naquele que, embora objectivamente seja uma das "sobras" de 2000, irá ficar, sem dúvida, como o primeiro grande álbum de canções clássicas do novo século. (2000)
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