28 DÓLARES/NOITE
Richmond Fontaine - The Fitzgerald
Wes deve dinheiro a um tipo. Cruza-se com ele, por acaso, no "Astro Lounge", e acaba com a cara desfeita e uma mão partida. Harry tem a camisa encharcada em sangue e J.P. foi abatido a tiro. Em Conklin Creek, na boca de uma mina, está o cadáver de um puto, nem ainda vinte anos, morto há menos de dois dias, "cause there was no smell and you could still see life in his face". Ao balcão do bar do "Swiss Chalet", "a madness came over him", alucinado pela memória de Francine. No parque de estacionamento do "Gold And Silver", as luzes do casino "only bring darkness to the night". Logo a seguir ao desvio 194B da autoestrada, há uma casa igual a todas as outras e o fantasma de um irmão desaparecido em combate.
À beira de Laramie, Wyoming, um homem é esfaqueado num hotel abandonado. Depois de sete horas de carro, num quarto de motel, ela suplica "'Save my life'; he grabbed her hand and said 'That's all I ever wanted to do'". Os néons cintilam lá fora e, "in a foreign room, with foreign noise, in a foreign bed, in a foreigh town", ela só consegue pensar "don't look and it won't hurt". São três da manhã, "Summer In Siam" toca uma e outra e outra vez, "and you and me and our whole place we're okay, now that I'm in your arms again". Willy Vlautin escreve como Raymond Carver escrevia, como Hopper pintava, como Springsteen, Dylan e Waits compõem, sabe-o e admite-o de bom grado.
(Willy Vlautin lê um excerto de The Motel Life)
Um pouco também da mesma forma que Lou Reed canta Nova Iorque. Mas, aí, já não se reconhece tanto: não ouviu muito da obra de Reed e assegura que ele sempre lhe meteu medo. Se, porventura, alguma vez, ele e Mark Eitzel pensassem em escrever juntos, seria difícil imaginar quem teria estômago para escutar o que daí resultasse. Acrescentar ainda David Berman seria já convocar estupidamente a catástrofe. Para The Fitzgerald, encerrou-se durante duas semanas no Fitzgerald and Casino Hotel (28 dólares/noite), em Reno, Nevada, a esquálida capital do jogo: no meio do deserto, a observar os infinitos desertos interiores das personagens que povoariam estas onze peças do sexto álbum dos Richmond Fontaine, a banda de Vlautin. Descobrir um autor imenso, assim, dez anos depois do seu início, não é habitual. E é difícil garantir que há aqui canções, sequer melodias, tal como as conhecemos. Existem, sim, escombros, detritos, ruínas, prolongados grandes planos de coisa nenhuma com sombras lá dentro, Johnny Cash e Hank Williams em contraluz, vestígios de violino, piano, harmónica, acordeão e contrabaixo à volta de uma guitarra e de uma voz (apetece dizer "voz off"), as entranhas desmazeladas de um "heartbreak hotel" onde nem, como se reconfortava Eitzel, o vento que sopra através do cabelo de Gena Rowlands chega para impedir o mundo de desabar. (2005)
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