03 July 2018

UM OVO GIGANTE

  
Começaram por chamar-se Aurora, porque, enquanto banda de liceu, Fran Keaney, Joe White, Marcel Tussie e Tom e Joe Russo, eram de opinião que deviam adoptar um nome “que ficasse bem no estojo das canetas ou nas costas dos cadernos”. Depois, vá lá saber-se porquê, optaram por World Of Sport. Assentaram, por fim, em Rolling Blackouts Coastal Fever (não perguntem, mas, entre outras histórias, parece haver um maligno virus do Camboja envolvido). Se nos recordarmos como Robert Forster, em Grant & I: Inside and Outside The Go-Betweens, descrevia a banda (“Os Go-Betweens eram uma coisa rara, um ovo de Fabergé, e como tal deviam ser tratados”), talvez uma outra designação se lhes ajustasse melhor: The Huge Fabergé Egg. Porque – e os RBCF nem sequer tentam esquivar-se à comparação – a dívida do quinteto de Melbourne para com o grupo de Forster e Grant McLennan é imensa. Mas, e é isso que justificaria o “huge”, sem se limitarem a replicar a sonoridade deste: assente no trio de guitarras Keaney/Joe White/Joe Russo, em Hope Downs, álbum de estreia, dir-se-ia que, na sombra, Tom Verlaine dirige as operações. 



E, ao fazê-lo, amplia desmedidamente a jóia de Fabergé sobre a qual se projectam reflexos dos R.E.M., Feelies, dos primeiros Echo & The Bunnymen, ou até das magníficas insolações dos Triffids. Se "How Long?", "Time In Common", "Exclusive Grave", "Cappuccino City" (um rascunho de "Streets Of Your Town") ou "The Hammer" (Forster com entoação dylaniana) contêm um mais elevado índice-GB, "Mainland" é um exercício sobre a teoria da cor, de Klee (“And all I saw was burning blue fading into blinding white, wade out past the rotting pier, out to the open water, son of a red roof city, (…) and back on the mainland cool change was rolling over, black sky was getting lower on golden sand”) com tragédia migratória em fundo (“And we talked about the land of our fore-mothers, now that we've shut the gate, it would be funny if it didn't make you want to cry”), "An Air Conditioned Man" evoca o Air Conditioned Nightmare, de Henry Miller (“You walk past the wall you first kissed her against, how could you forget? (…) Did it ever matter in the first place? Does she still think about it now and then? In her air conditioned home, on her air conditioned street, in an air conditioned city”), e todo o resto, por entre vertiginosas espirais de guitarras, desenha “uma colecção de postais de um mundo cada vez mais estranho em que sentimos que a areia nos foge sob os pés”.

4 comments:

t. said...

Grande disco. Desconcertantemente, há uns quantos casos em que se identificam facilmente as (mais do que louváveis) referências e ainda assim soam incrivelmente genuínos. Caso não conheça, destes mesmos, sugiro-lhe a música 'Fountain of Good Fortune' do EP 'The French Press'. Desde o 'Half Sister' dos Protomartyr que nada me abalava tanto. Por fim e ainda de forma cautelosa, chamo a atenção para a estética dos discos e demais parafernália mediática que parece confirmar que estamos perante malta substantiva.

João Lisboa said...

Totalmente de acordo.

Há um EP novo dos Protomartyr: https://protomartyr.bandcamp.com/album/consolation-e-p

https://lishbuna.blogspot.com/2018/05/blog-post_10.html

t. said...

Obrigado! Que maravilha.

João Lisboa said...

:-)