“A primeira vez que a vi actuar, imaginei que era um ‘alien’. O mais belo 'alien' que alguma vez tinha visto”, foi como David Lynch descreveu Chrysta Bell Zucht que conheceu em 1999 e, com quem, num momento de “coup de foudre” criativo assaz lynchiano, imediatamente, a quatro mãos, compôs uma canção. A moça de San Antonio, Texas, então com 21 anos, era vocalista dos 8½ Souvenirs – uma banda do "swing revival", com nome cinematograficamente inspirado no 8½, de Fellini – mas confessava-se admiradora de um eclético panteão de cantoras que incluia Nina Simone, Julie London, Etta James, Rosemary Clooney, Alison Goldfrapp e Fiona Apple. Os habituais nós cegos contratuais ensarilharam essa relação artística a dois que só em 2011 (antecedida pela inclusão de "Polish Poem", na banda sonora de Inland Empire, em 2006) se concretizaria no álbum This Train e, cinco anos depois, no EP Somewhere In The Nowhere. No ano passado, a parceria entre o realizador-pintor-músico-actor-e-fotógrafo e a cantora-compositora-actriz-e-modelo-fotográfico prosseguiria por outras vias: Lynch ofereceria a Chrysta Bell a oportunidade de interpretar o papel da agente do FBI, Tammmy Preston, na terceira e sobrenatural temporada de Twin Peaks, ao mesmo tempo que ela publicava uma versão desmaterializada de "Falling" (a canção-tema da série) produzida pelo ex-This Mortal Coil, John Fryer. Paralelamente, desta vez com produção do omnipresente John Parish e participação de Stephen O’ Malley (Sun O))) e Adrian Uttley (Portishead), surgia We Dissolve, imensa paleta de “torch-songs” atmosféricas e um dos mais assombrosos álbuns de 2017. Iremos poder escutá-lo ao vivo – assim como ao recentíssimo EP, Chrysta Bell – nos quatro concertos que, este mês virá dar em Coimbra (11, Teatro Gil Vicente), Arcos de Valdevez (12, Casa das Artes), Ovar (13, Centro de Arte) e Torres Novas (14, Teatro Virgínia).
Embora se tenha iniciado de modo fulminante, a concretização da colaboração entre a Chrysta Bell e David Lynch demorou bastante até verdadeiramente arrancar...
Entre mim e o David, é de uma situação em permanente evolução que se trata. Tem aspectos muito misteriosos. Até para nós próprios. Quando nos conhecemos, houve uma empatia instantânea que nos conduziu a escrever logo uma canção, ‘Right Down To You’, nunca me tinha acontecido nada semelhante. Mas, nessa altura, eu tinha contrato com a RCA e a necessidade de ter uma autorização da editora paralisou-me. Tínhamos vontade de dar continuidade aquela belíssima circunstância mas não podíamos. Só anos depois, consegui arranjar forma de me libertar dessas obrigações contratuais. De certo modo, foi preciso recriar o ponto de partida para voltarmos a fazer música em conjunto. Ele estava em Los Angeles e eu no Texas mas aproveitámos todas as oportunidades que surgiram. E voltou a ser muito especial, é o tipo de coisa que não acontece todos os dias. Ao longo desse tempo, compusémos sete ou oito canções, quase chegava para um álbum. Pareceu-nos que devíamos carregar no acelerador e, finalmente, em 2011, concluímos This Train. As coisas têm o seu próprio tempo e, no fundo, nunca me apercebi de que estivéssemos a construir um álbum, estávamos apenas a fazer música.
No entanto, antes disso, ainda surgiu a oportunidade para incluir ‘Polish Poem” na banda sonora de “Inland Empire”...
Gravámos ‘Polish Poem’ seis anos antes de “Inland Empire”. Já nenhum de nós se recordava sequer que essa canção existia. Foi quando andava à procura de material já registado que o Dean Hurley (compositor, engenheiro de som e produtor de David Lynch) descobriu ‘Polish Poem’ numa "hard drive". Exumou-a das profundezas!... (risos) Tinha tudo a ver com Inland Empire embora tivesse sido criada num contexto completamente diferente. Quando o David me disse que a ia utilizar no filme, já nem me lembrava de que canção se tratava. Mas, nesse momento, fez todo o sentido que fosse também incluída em This Train.
Qual a diferença entre trabalhar com David Lynch como co-autor e produtor musical e na qualidade de realizador de cinema e televisão?
Quando estamos a gravar em estúdio, é uma relação entre iguais, com o Dean a controlar os aspectos técnicos. Conversamos acerca das canções e procuramos estabelecer a atmosfera certa. Numa filmagem, o David é quem dirige tudo. Se, no estúdio, as coisas não estão ainda consolidadas, ainda são muito fluídas e permitem mais espaço e liberdade para a improvisação, no set, o argumento já está escrito, as marcações e as deixas definidas, é um espaço mágico mas em que tudo é pré-determinado. Mas, em ambos os casos, o David é sempre um comandante do navio muito confiante. Claro que, num filme, a tripulação é muito maior é é indispensável ser mais estrito.
E como foi encarnar a personagem de Tammy Preston, a agente do FBI de Twin Peaks: The Return, que, no final do ano passado, algumas publicações de cinema consideraram ter sido o melhor filme – não série de televisão – de 2017?
Na minha opinião, é arte que expande a mente, dizer-se que é um filme fica ainda aquém daquilo que realmente é. É arte fílmica em estado puro.
Quando estava em filmagens, tinha consciência da dimensão que aquela série iria ter e do significado que viria a assumir?
Tinha uma sensação... havia coisas que, no que dizia respeito à produção, me pareciam realmente transcendentes... é difícil dizer exactamente o que era mas toda a gente tinha a noção de que estava a fazer parte de algo muito, muito especial. E havia a convicção de que era indispensável estar totalmente presente ali e dar tudo o que tínhamos, que o que estava a desenvolver-se destinava-se a ser muito maior do que qualquer um de nós individualmente imaginava. Ia mesmo além do David, ele era apenas o maestro. Não devíamos, de forma alguma, perturbar o processo.
Quando estava em filmagens, tinha consciência da dimensão que aquela série iria ter e do significado que viria a assumir?
Tinha uma sensação... havia coisas que, no que dizia respeito à produção, me pareciam realmente transcendentes... é difícil dizer exactamente o que era mas toda a gente tinha a noção de que estava a fazer parte de algo muito, muito especial. E havia a convicção de que era indispensável estar totalmente presente ali e dar tudo o que tínhamos, que o que estava a desenvolver-se destinava-se a ser muito maior do que qualquer um de nós individualmente imaginava. Ia mesmo além do David, ele era apenas o maestro. Não devíamos, de forma alguma, perturbar o processo.
Estive sempre à espera que, no final de algum dos episódios, a Chrysta Bell (não a Tammy Preston) surgisse a cantar no Bang Bang Bar. Mas isso nunca aconteceu...
(risos) O David chegou a dizer-me que, caso eu estivesse verdadeiramente interessada nisso, poderia fazê.lo. Mas estava convencido que eu preferiria ser apenas a Tammy. Eu queria muito ser a Tammy, era como se a Tammy fosse o meu destino! Mas não nego que uma parte de mim teria adorado contribuir com música para Twin Peaks. A nossa relação é muito especial mas, de certo modo estava convicta que, artisticamente, depois de This Train, poderia ter-se encerrado um capítulo. Quando me convidou para representar o papel da Tammy, nem queria acreditar, era demasiada informação para eu conseguir processar sozinha.
Após uma tão prolongada experiência com David Lynch, em que medida foi diferente gravar We Dissolve com John Parish como produtor?
Faço música desde há vinte anos e as colaborações com David Lynch foram inesquecíveis. Mas são sempre circunstâncias diferentes. Com o David, gravávamos nas colinas de Los Angeles, na mesma casa em que ele filmou Lost Highway, com o sol a brilhar e um céu azul, sem núvens. Bristol é o lugar onde vários dos meus heróis musicais gravaram discos...
Era fã da cena de Bristol?
Sim, sim! Cresci a ouvir Mezzanine, dos Massive Attack, Felt Mountain, de Goldfrapp, Portishead, PJ Harvey… era a banda sonora da minha vida. Ir até lá para trabalhar com o John Parish foi uma grande felicidade. É frio e cinzento, muito britânico, nada parecido com a Califórnia, tirei fotografias em poses de Ziggy Stardust e tudo... (risos) Foram experiências muito diferentes: This Train levou dez anos até ser concluído, com We Dissolve bastaram dezasete dias. A escrita das canções foi um pouco mais demorada mas o trabalho em estúdio decorreu de modo extraordinariamente disciplinado e concentrado... precisamente ao contrário do que costumava acontecer com o David.
Se é possível dizê-lo, qual foi exactamente a contribuição musical do John Parish?
O John é um bocado purista. O objectivo dele é descobrir a essência de uma canção e puxar isso para o primeiro plano. Exclui tudo o que é supérfluo. Nada de "plug ins" nem efeitos ou sons que apenas possam ser produzidos em computador. Guitarras, Hammonds, sons reais tocados por instrumentos reais, no planeta Terra! (risos) Essa foi uma das razões principais por que quis que fosse ele a produzir. O David usa muito “reverb”, cria sonhos e música para esses sonhos. O John cria canções muito puras para a vida acordada, completamente despidas de excessos, apenas matéria nutritiva.
Contribuiu de algum modo para Room To Dream, o livro de memórias de David Lynch escrito por ele com Kristine McKenna?
Fui entrevistada duas vezes por ela e adorei ter essa oportunidade de falar imenso acerca do David após todo este tempo em que trabalhámos juntos. Da segunda vez, ela pretendia fazer um "follow-up" depois da exibição de Twin Peaks. Estou convencida que irá ser um livro excelente: a Kristine investigou bastante profundamente a vida do David e tocou em pontos e aspectos que duvido que a maioria das pessoas fosse capaz de fazer. Não tenho a certeza mas creio que foi o David a escolhê-la. Estou com uma vontade enorme de o ler!
2 comments:
A emoção por contactar com OVNIs https://mobile.twitter.com/chrysta_bell/status/909872734254989316
Ela é um "alien".
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