NÓS, INSECTOS
“Desde o início, os Velvet Underground foram um processo de eliminação. Primeiro, saiu o Andy Warhol, depois, a Nico, a seguir, o John Cale, por fim, já não havia Velvet Underground. Subitamente, eu era Lou Reed”. Foi esta a muito sintética versão de Lou, para a trajectória de uma das bandas mais cruciais da história do rock, quando, no final de 1971, em Londres, se preparava para gravar o primeiro álbum a solo. A verdade é que, no ano anterior, o Lou Reed que Lou Reed era (e seria) por pouco não o foi: decidido a desistir da música, durante seis meses arranjou emprego no escritório de contabilidade do pai. E, como vários outros antes dele, encalhados em profissões de horizontes rasteiros – Melville, Kafka, Pessoa, T.S. Eliot –, enganou o tédio escrevendo. Poesia. “We are the people without land. We are the people without tradition. We are the people who do not know how to die peacefully and at ease. We are the thoughts of sorrows. Endings of tomorrows. We are the wisps of rulers and the jokers of kings” é um excerto de "We Are The People", um dos 12 poemas e "short stories" escritos nesse período de indecisão que, em Abril, serão publicados sob o título Do Angels Need Haircuts?, juntamente com gravações de uma leitura pública por ele realizada na St Mark’s Church de Nova Iorque, a 10 de Março de 1971 – com Allen Ginsberg a assistir –, e posfácio de Laurie Anderson.
Na Soundcloud, podemos já escutar, na íntegra, "We Are The People" e alimentar o pessimismo antropológico, reparando como tudo o que atormentava Lou Reed há quase meio século permanece venenosamente vivo: “We are the people who have known only lies and desperation. We are the people without a country, a voice or a mirror. We are the crystal gaze returned through the density and immensity of a berserk nation. We are the victims of the untold manifesto of the lack of depth of full and heavy emptiness. We are the people without sorrow who have moved beyond national pride and indifference to a parody of instinct. We are the people who are desperate beyond emotion because it defies thought”. A New York Public Library, após a morte, há 5 anos, de Reed, adquiriu-lhe o arquivo e inicia, agora, a sua devolução ao legítimo destinatário: “We are the people who conceive our destruction and carry it out lawfully. We are the insects of someone else’s thought. A casualty of daytime, nighttime, space and god without race, nationality or religion. We are the people. The people. The people”.
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