31 October 2017

AVASSALADOR 


Primeiro, uma apresentação breve: “Call me ‘Heraclitus The Obscure’, constantly weeping because the river doesn't move, it doesn't flow, it's been leaded by snider men to make a profit from the poor”. Depois, a explicação do método: “Not by my own hand, automatic writing by phantom limb, not with my own voice, pleurisy made to stand on two legs”. A seguir, a imprecação: “In this age of blasting trumpets, paradise for fools, infinite wrath, in the lowest deep a lower depth, I don't want to hear those vile trumpets anymore”. Por fim, a parábola: “Elvis outside of Flagstaff, driving a camper van, looking for meaning in a cloud mass, sees the face of Joseph Stalin and is disheartened, then the wind changed the cloud into his smiling Lord and he was affected profoundly, but he could never describe the feeling, he passed away on the bathroom floor”. Cabe tudo nos 5’20” de "A Private Understanding", a faixa inicial de Relatives In Descent e exemplo supremo de que uma canção pode conter mais alimento para cérebros ávidos do que muitas páginas de papel impresso. Há outras 11 de idêntica estatura no quarto álbum dos Protomartyr, banda de Detroit que compõe e toca com a mão no pulso da cidade destroçada e a sente latejar como um sintoma do grande mal americano contemporãneo. 



Nas erupções da guitarra de Greg Ahee, em diversas tonalidades de negro, levanta-se uma imensa muralha sonora áspera e rude que a propulsão da bateria de Alex Leonard e do baixo de Scott Davidson ossificam enquanto moldura para as diatribes sombrias e desoladoras de Joe Casey, criatura pouco dada a adoçar as palavras: “Estava habituado a pensar que a verdade existia. Mas deixou de existir uma verdade partilhada. Se calhar, nunca existiu. Vivemos uma nova idade das trevas”. Em tradução musical, isso tanto pode gerar magníficos instantes de absurdo (“In Northern Michigan, there was an incident in winter, a horse was hit by lightning and began to speak in a foreign language, when he was finally understood it repeated, ‘Humans are no good’”) como confissões de desalento (“My children they are the future, good luck with the mess I left”) ou irados apelos à insurreição (“Defenestrate the king! The howling waves of people crashing through the first blockade (…) until they reached that golden door, knock it down! What a lovely view, horizon looks like fire, open up the window, let the light in, throw him out!”). Numa só palavra: avassalador.

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