PELO BURACO DA FECHADURA
O Chateau Marmont, no 8221 de Sunset Boulevard, em Los Angeles – projectado segundo o modelo do Château d’Amboise, residência real francesa no vale do Loire –, foi um edifício de apartamentos de luxo, convertido em hotel em 1931, devido à enorme improbabilidade de, durante a Grande Depressão, haver quem pudesse suportar as elevadíssimas rendas. Ao longo dos anos, porém, acabaria por ganhar o estatuto de Chelsea Hotel da West Coast: como que aceitando o conselho de Harry Cohn, presidente da Columbia Pictures (“If you must get in trouble, do it at the Chateau Marmont”), foi lá que James Dean se atirou de uma janela, Jim Morrison caíu do telhado, John Belushi sucumbiu a uma overdose, Scott Fitzgerald teve um ataque cardíaco, os Led Zeppelin passearam de Harley Davidson pelos corredores, e, aos pares ou em grupos mais liberalmente alargados, celebridades várias (Dennis Hopper, Nicholas Ray, Natalie Wood, Jean Harlow, Clark Gable, Erroll Flynn, Marlene Dietrich, Scarlett Johansson, Benicio del Toro...) travaram conhecimento bíblico. Exactamente o género de matéria-prima que um "peeping tom" profissional e erudito como Jarvis Cocker – também ele, ainda com os Pulp, hóspede do hotel, no quarto 29 – dificilmente deixaria escapar.
Concebido como um ciclo de 16 canções a quatro mãos, com o pianista canadiano Chilly Gonzales, Room 29 (primeiro álbum da Deutsche Grammophon a ostentar o aviso "Parental Advisory: Explicit Content") inaugura praticamente o sub-género de banda sonora para um documentário imaginário: algures num registo entre Satie e Kurt Weill espevitado por Noël Coward, o ponto de partida é esclarecedor: tratando-se de “a comfortable venue for a nervous breakdown”, obviamente, a questão que se impõe é “is there anything sadder than a hotel room that hasn’t been fucked in?” Daí, decorre, com naturalidade, uma sucessão de instantâneos e observações sobre personagens anónimas (“You’re a tearjerker, you don’t need a girlfriend, you need a social worker”) ou nem por isso (‘Howard Hughes Under The Microscope’, dissecado, em conversa com Cocker, por David Thomson, autor do clássico ensaio The Big Screen) e hábitos de consumo peculiares (“We ordered ice-cream as main course, in a turban of silk, drinking chocolate with milk, with a shot of rum on the side, well of course”). Ou não fosse, afinal, um caso exemplar de, como ali, à beira de Hollywood, é obrigatório apresentar-se “life with the boring bits edited out”.
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