17 November 2016

1966 x 23


Serve esta crónica para informar que, caso a Columbia/Sony planeie enviar-me um exemplar de The 1966 Live Recordings, de Bob Dylan, não me comprometo a escutá-lo na íntegra, num prazo inferior a, vá lá, um ano. Por um motivo francamente razoável: ninguém, em estado saudável de corpo e mente, seria capaz de, em menos tempo, ouvir, digerir e produzir opinião fiável acerca de 36 (trinta e seis) CD nos quais foi registado, essencialmente, o mesmo concerto apresentado durante quatro meses em diferentes pontos do planeta. O que, por outro lado, desaconselha fortemente que sejam levadas a sério todas as críticas que, nos próximos dias, ousem abordar o tema. Explicando melhor, trata-se das gravações dos 23 concertos realizados (com os Hawks, futura Band) entre 5 de Fevereiro e 29 de Maio de 1966, em Sidney, Melbourne, Copenhaga, Dublin, Belfast, Bristol, Cardiff, Birmingham, Liverpool, Leicester, Sheffield, Manchester, Glasgow, Edimburgo, Newcastle, Paris, Londres, Nova Iorque, Pittsburgh e Estocolmo, no decurso da famigerada digressão em que Dylan – em mal compreendida transição de folkie de protesto para poeta lisérgico – foi tratado pela esquerda jurássica de Judas para baixo.



Já o tínhamos visto e ouvido em Eat The Document (1972), de D. A. Pennebaker, revisto e reouvido em No Direction Home, de Martin Scorsese (2005), capturado a essência do “momento” no Manchester Free Trade Hall, no volume 4 da Bootleg Series (Bob Dylan Live 1966, The ‘Royal Albert Hall’ Concert, 1998) e, para os mais dados a frequentar o "bas fond" da Internet, existia uma legião de "bootlegs" disponível. Nunca, porém – e por algum bom motivo... –, tinha sido antes tudo reunido em tal mega-empreendimento. Nas já surgidas críticas em modo "quickie", fala-se, por exemplo, das prodigiosas mutações, de espectáculo para espectáculo, de "Visions Of Johanna" ou da pitoresca qualidade "no-fi" (e respectiva patine “de época”) de uma parte dos registos. Mas, pelo que me diz respeito, bastar-me-ia um modesto "single" que incluisse apenas dois preciosos intantes: aquele, em Liverpool, quando um ex-fã irado lhe pergunta “O que aconteceu à tua consciência?” e Dylan comenta “Está ali um tipo à procura de um salvador...”; e o outro, de Glasgow, em que o grito “Onde está Dylan?” recebe a resposta “Está nos bastidores. Sentiu-se mal e tive de ser eu a substitui-lo”.

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