NOIR
Ah, os ricos!... Não podemos viver com eles e não podemos viver sem eles... Escutem o alter-ego a que Maarten Devoldere dá voz: “I’ve got one hand on a champagne drinking cunt, I’ve got the other up the ass of the establishment, and I can’t even distinguish which hand is which, God knows I tried to be against the rich”. E, reforçando a dúvida e a rima, interroga-se “When, my friend, did I make the switch?”. Devoldere, ele mesmo, justifica-se: “Não se trata de nenhum combate contra o conformismo, é a confissão de que cheguei a um ponto em que, de repente, tenho alfaiate e contabilista e posso exigir um whisky puro de malte antes dos concertos. É como um pedido de desculpa ao Maarten jovem e idealista”. Ou uma outra versão daquele provérbio político “revolucionário aos vinte, social-democrata aos quarenta, conservador aos sessenta”. Ele ainda só chegou aos trinta mas, aparentemente, o sucesso, na Bélgica, da sua banda indie, Balthazar (na qual, por acaso, já cantava coisas como “And if the rich are begging for more on the doorsteps of the poor, then what?”) não só lhe permitiu esses pequenos luxos burgueses como não lhe fechou a porta à publicação extra-curricular de We Fucked A Flame Into Being.
O título é retirado de Lady Chatterley's Lover, de D. H. Lawrence, e a encarnação paralela de Devoldere (com Sylvie Kreusch) responde por Warhaus, o nome de um velho rebocador atracado em Ghent onde, no Verão do ano passado, o álbum foi concebido. Se o método de criação consistiu em “digging up dirt from your soul and excluding morality” e activar os contrastes de “brutal vs. romantic, art vs. kitsch, archaic vs. modern”, a forma como o concretizou o moço com pinta de neto do Joseph Cotten de Citizen Kane – mas também poderia ser perfeitamente o de O Terceiro Homem – foi optar pelo modelo Gainsbourg/Birkin, fortissimamente contaminado pela proximidade do Leonard Cohen pós-I’m Your Man, mas não muito menos por Nick Cave e Lou Reed. Experimentem situar tudo isso numa atmosfera de "film noir" atravessada por tiradas do género de "You want magic, count me in, you want Jesus, well I'm not him, you're an angel or a whore, tell me who you're working for” e ficarão com uma bastante razoável aproximação à melhor exportação recente do "plat pays" de Jacques Brel.
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