09 June 2016

MANUAL DE PINTURA


É oficial: aos 37 anos, o cidadão neo-lisboeta, Noah Lennox, sente-se um ancião pop. E, embora não tendo perdido o gosto pela experimentação e pela exploração de abordagens diferentes para a música que, com o neo-angeleno, David Portner, e o neo-washingtoniano, Brian Weitz, cria nos Animal Collective, já lhe sobra pouca paciência para a rotina de gravação-promoção-concertos que o modus operandi da indústria discográfica impõe. Até porque, pelo meio disso, ainda se vê obrigado a lidar com o "hype" e as fantasias dos media, capazes de ficcionar vários universos a partir de um humilde átomo. Nada, porém que o impeça de ter publicado Painting With, o décimo álbum da banda – para além de peças em nome individual –, e de embarcar no carrocel de uma extensa tournée que passará pelo Primavera Sound, do Porto.
 
Um décimo álbum parece um óptimo pretexto para uma reflexão sobre a trajectória dos Animal Collective...
Essencialmente, tenho-me apercebido de como o passado permite ver o presente com outras cores e também como é cada vez mais difícil não nos repetirmos e continuar a fazer coisas novas. Temos de nos forçar a descobrir outros espaços. É um desafio de que gosto mas não deixa de ser um desafio.
 
Têm uma noção do lastro que foram deixando para trás e daquilo que ganharam?
A percepção que temos das coisas muda. A ideia que fazemos de um álbum e a de quem o escuta vai transformando-se muito. Quando Strawberry Jam saiu, a reacção do público foi um bocado morna. Agora, parece ser um dos preferidos. Claro que com a Internet tudo mudou mas, talvez, passados vinte ou trinta anos, possa avaliar-se um disco da forma mais objectiva possível, com o mínimo de ruído à volta.

Centipede Hz, de há quatro anos, parece ter-se tornado a vossa ovelha negra...
Ou mesmo também este último. Foi a primeira vez que sentimos que tínhamos detractores. Não porque pensássemos que havíamos feito algo errado mas por nos darmos conta de que não estávamos alinhados com as expectativas que existiam em relação a nós. Sendo uma banda que não vive para agradar facilmente ao público, pomo-nos um bocado a jeito para estas reacções. Mas vamo-nos habituando.
 
Painting With é o primeiro álbum a não ter sido tocado ao vivo antes de irem para estúdio. Foi uma mudança deliberada ou aconteceu assim devido à dispersão geográfica dos elementos do grupo?
Uma das razões foi, precisamente, porque nunca o tínhamos feito antes e estávamos com curiosidade de ver o que resultava. Mas, como vimos de uma cultura que cultiva a partilha de gravações de concertos, muitas vezes, a versão das canções que predominava era a de palco e o que registávamos em estúdio era apenas um reflexo pálido disso. Apeteceu-nos, por isso, inverter o processo, tornar a versão de estúdio na primeira impressão e na imagem ideal que se tem das canções.
 
Acerca da gravação do álbum proliferaram as “lendas” de projecções psicadélicas de imagens de dinossauros em estúdio, "FloriDada" puxou associações dadaístas...
É um típico caso de os media inventarem uma história a partir de coisa nenhuma. É interessante verificar o que, por exemplo, numa entrevista, se selecciona como destaque. Aquilo que, para nós, foi apenas o desejo de criar um ambiente divertido para trabalhar e não teve qualquer impacto na música, foi convertido numa coisa importantíssima!


 
Também foi sublinhado o facto de terem ido gravar nos EastWest Studios onde Pet Sounds nasceu...
Foi só uma coincidência e um recurso de última hora. Os estúdios para os quais planeáramos ir, por um equívoco de datas, não estavam disponíveis e tivemos de ir para esses. Claro que foi óptimo estarmos ali, como se visitássemos um museu onde o Marvin Gaye e o Frank Sinatra trabalharam. Mas o mais importante é que o que ali se grava soa maravilhosamente. Foi um contratempo que teve excelentes consequências.
 
Em Painting With o jogo da sua voz com a do David Portner funciona como um elemento fundamental... como desenvolveram essa técnica de pergunta e resposta, por vezes, silabicamente, que aplicaram aqui?
Quando começamos a compor, temos sempre imensas ideias acerca de que equipamento usar, que tipo de abordagem escolher... no final, só cinco ou seis acabam por sobreviver. É um processo de selecção natural. Desta vez, uma dessas foi a intenção de criarmos música para duas vozes, em contraponto, em plano de igualdade. De tal modo que, se retirássemos uma delas, alteraria por completo a canção. Não é, de todo uma ideia nova, o "hoquetus" já era utilizado na música medieval embora não exactamente da forma como o fazemos.
 
A escolha do aeroporto de Baltimore para o lançamento do disco foi uma vénia à Music For Airports, do Brian Eno?
(risos) Não. Actualmente, é praticamente impossível descobrir um local onde, quando um disco sai, toda a gente possa escutá-lo ao mesmo tempo. Queríamos apresentá-lo de um modo especial, num sítio onde ninguém estivesse à espera de ouvir aquela música: pensámos fazê-lo num centro comercial, durante um jogo de futebol mas o aeroporto acabou por ser a solução logisticamente mais fácil.


A participação de John Cale ocorreu por procurarem algo específico que só ele poderia trazer ou tratou-se de uma homenagem a ele e aos Velvet Underground?
Somos todos fãs da música de John Cale e dos Velvets mas, na realidade, a razão foi um pouco mais funcional. Em "Hocus Pocus", o Brian tinha utilizado um "sample" de cordas cuja sonoridade não nos satisfazia. Sabíamos que o John Cale vive em Los Angeles e que a Abby, irmã do Dave, tinha trabalhado com ele. Pensámos, então, em pedir-lhe que tocasse viola de arco nesse tema. Não foi isso que, finalmente, aconteceu mas ele trouxe uma enorme quantidade de equipamento electrónico. Passámos mais de meio dia a experimentá-lo!
 
O que sente quando a "Pitchfork" vos qualifica como “avant pop institution”?
O que me sinto é velho... (risos) Tenho 37 anos. Vejo-me a fazer música até morrer mas não sei quanto mais tempo serei capaz de aguentar o circuito de gravações, entrevistas, um ou dois anos de concertos... há um prazo de validade para isso.

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