28 June 2016

A LIBERDADE ILUMINANDO O MUNDO


Pedro vive com 9 irmãos numa espelunca de paredes de cartão e janelas sem vidros onde o pai o espanca se ele se atreve a dizer que está cansado demais para mendigar. Pedro sonha com o dia em que será capaz de matar o velho e dedicar-se ao “dealing on the dirty boulevard”. Do outro lado, no Lincoln Center, estreia uma ópera à qual as “movie stars arrive by limousine” mas “the lights are out on the mean streets, a small kid stands by the Lincoln Tunnel selling plastic roses for a buck” e “the tv whores are calling the cops out for a suck”. E, como um fantasma cruel que paira sobre o "Dirty Boulevard" da New York (1989), de Lou Reed, escutam-se as palavras “Give me your hungry, your tired, your poor, I'll piss on 'em, that's what the Statue of Bigotry says, your poor huddled masses, let's club 'em to death and get it over with and just dump 'em on the boulevard”. Se, hoje, fosse viva, Emma Lazarus arrepiar-se-ia ao dar-se conta de como a História e o tempo obrigaram a que o seu poema, “The New Colossus”, fosse, inevitavelmente, desfigurado. Tradutora e poetisa, filha de emigrantes judeus sefarditas-ashkenazi de origem portuguesa e alemã, Emma escreveu em 1883 esse soneto com o objectivo de angariar fundos para a construção do pedestal da estátua da Liberdade, na Liberty Island, no porto de Nova Iorque.


Dedicava-se, por essa altura, ao auxílio a refugiados judeus em fuga dos "pogroms" anti-semitas na Europa de Leste. A eles dirigiu as palavras dos cinco versos finais do soneto que acabaria inscrito numa placa, na base da estátua: “Give me your tired, your poor, your huddled masses yearning to breathe free, the wretched refuse of your teeming shore. Send these, the homeless, tempest-tost to me, I lift my lamp beside the golden door!”. Irving Berlin adaptou excertos do poema no "musical" Miss Liberty (1949), no cinema, surgiria em Hold Back the Dawn (1941), um ano depois, em Saboteur, de Alfred Hitchcock, e, recitado em português, em Cristóvão Colombo – O Enigma (2007), de Manoel de Oliveira. Quando Lou Reed o repescou para "Dirty Boulevard", o acolhimento que os EUA de Ronald Reagan ofereciam às “tired, poor, huddled masses” estaria longe de ser exemplar mas seriam precisas quase três décadas até se atingir o grau supremo de selvajaria de que Donald Trump é o arauto. E, uma vez mais, “The New Colossus” foi chamado ao debate, pela mão de Andrew Bird. Em "Saints Preservus", do recente Are You Serious, acidamente, apela: “Bring me your poor and your trembling masses, bring them here, to shelter in your substructure parking lot”.

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