07 May 2016

Paulo Varela Gomes não foi Christopher Hitchens; mas isso não atenua o nojo perante o repugnante aproveitamento póstumo da sua derradeira vulnerabilidade

9 comments:

alexandra g. said...

Precisamente: e encarar a sua derradeira vulnerabilidade desta forma foi, também, vontade explícita de destruir tudo o que construiu, ao longo de uma vida feita de mudanças de posição. Só mesmo balões de ar destes (o padreco que superintende a uma associação de famílias...) gostam de pegar na derradeira vulnerabilidade de alguém para a transformar numa 'beatificação' de estatuária feita.

João Lisboa said...

"o padreco que superintende a uma associação de famílias"

... mas também "visconde de Macieira, sacerdote secular da prelatura do Opus Dei, Cerimoniário Eclesiástico da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém e Capelão Magistral da Assembleia Portuguesa da Ordem Soberana Militar de Malta". Ou seja, Supreme Motherfucker por la Gracia de Diós.

alexandra g. said...

Respeitinho, portanto, com o balão de ar e a eterna vulnerabilidade da ostentação de títulos & cargos! :)

Anonymous said...

Simplifiquemos.
Paulo Varela Gomes mudou de posição.
Tão simples quanto isso.
Haverá alguma diferença entre ser apoiante do Bloco de esquerda ou adepto da Igreja Católica? Ser simpatizante do PSD ou militante da causa comunista?
É sempre a mesma coisa.

João Lisboa said...

Precisamente: em muitos casos, simplificar não conduz às melhores conclusões.

Isto é, são coisas bastante diferentes.

Anonymous said...

«A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga‑me a pensar nas pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou abandonar. Quando a vida manda mais em mim do que a morte, amo os que me amam, e cresce de repente no meu coração a maré da vida.»
— Excerto de «Morrer é mais difícil do que parece», o texto de Paulo Varela Gomes para o número da Granta dedicado ao tema «Falhar melhor»

Anonymous said...

"(...)
E tem outros livros para publicação. Já falou de uma antologia de contos...

Tenho uma antologia de contos "heterodoxos", quer dizer, com referência permanente mas não canónica às questões e à terminologia religiosas. São contos cómico-trágicos. Um deles, estava a escrevê-lo e a rir a bandeiras despregadas, apesar de se tratar de uma referência óbvia à minha morte. A coletânea intitula-se A Ressurreição da Senhora Professora e outros contos heterodoxos. E ainda há um conto comprido, ou novela curta, que se intitula A Guerra de Samuel e é sobre a guerra civil em Portugal em 2025 e questões relativas ao catolicismo. Isto está tudo pronto a ser editado.(...)


«São contos cómico-trágicos.»

Acho que esta afirmação encerra muito daquilo que a partir de certa altura passou a ser o entendimento de PVG sobre as coisas da vida.


Anonymous said...

Dá que pensar, João Lisboa, dá que pensar...

A morrer de cancro, irreversível, Paulo Varela Gomes conta, nesse notável texto publicado na Granta, como pensou matar-se e prestes a fazê-lo o não fez descrevendo com uma lucidez impressionante como não se matou.

(...) Pronto, ia morrer. Aspirei o cheiro intenso, quase ridente, de uma hortelã-pimenta que nascera ao pé do pinheiro grande sem que, até então, alguém tivesse dado por ela.
Coloquei a cadeira junto a uns troncos cortados, sentei-me e, já com os canos da arma na boca, o dedo aflorou o gatilho. Senti o metal como uma coisa sem qualidade, cálida, mortiça, dócil. Tudo me pareceu vagamente ridículo, o meu gesto, os objectos de que me rodeara. Veio até mim mais uma vez o cheiro da hortelã.
Ergui os olhos que tinha fixados na guarda do gatilho e vi um pinhal que o sol, através de uma abertura nas nuvens, isolava, dourado, do verde-escuro da encosta. Ocorreu-me de repente uma vaga de alegria inexplicável, como se fosse um sinal da presença de Deus à semelhança daqueles que os textos sagrados referem por vezes. Cheguei à mais simples conclusão do mundo: estava vivo e, enquanto assim estivesse, não estava morto. Fiquei verdadeiramente contente, a vida a fervilhar em todas as veias, mesmo as estragadas. Pousei a arma no chão e regressei a casa. (...)

João Lisboa said...

"descrevendo com uma lucidez impressionante como não se matou"

Porque não haveria de o fazer com lucidez?

Mas - e por uma última vez -, sem que isso justifique quaisquer juízos de valor:

1) as atitudes de PVG e Hitchens perante idêntica situação foram substancialmente diferentes;

2) recorrer publicamente ao aproveitamento das vacilações perante o sofrimento unicamente para fazer mais um risquinho político na parede "do nosso lado", é mesquinho e odioso