O pavor “politicamente correcto” perante a possibilidade de ofender, chocar ou, sequer vagamente incomodar sensibilidades nacionais, étnicas, de género, religiosas, ideológicas ou outras, não só conduz ao patrulhamento da linguagem e de todo e qualquer acto potencialmente “infractor” como gera o reflexo de protecção obrigatória e imediata de todas as infinitamente vulneráveis vítimas, à mercê dos descuidados ou mal intencionados agressores. No ano passado, a Oxford University Press já tinha avisado os seus autores de livros infantis de que não deveriam utilizar linguagem que incluísse referências a porco e enchidos para que isso não perturbasse jovens mentes judias e muçulmanas e o parlamento sueco decidira poupar os/as seus/suas visitantes feministas ou islâmicos/as à visão do peito seminu da Juno do pintor barroco GE Schroder. Seria fácil alongar desmedidamente a lista mas bastará acrescentar dois exemplos muito recentes. Há cerca de uma semana, a propósito da descoberta, em Toulouse, de uma possível obra perdida de Caravaggio (Judite e Holofernes, aliás, um episódio bíblico), o site da BBC ostentava o aviso: “The paintings featured below depict a graphic image”. O que, depreende-se, não tardará a ser prática adoptada por centenas de museus possuidores de peças tão ou mais aterradoras.
A outra história surge a partir de "Community Of Hope", a primeira canção do novo álbum de PJ Harvey, The Hope Six Demolition Project: referindo-se ao que, com o fotojornalista Seamus Murphy, observara quando se deslocou à zona do Ward 7, de Washington, D.C., como “just a drug town, just zombies (...), the highway to death and destruction”, desencadeou uma instantânea vaga de indignação. Porque, ao fazê-lo, se tinha limitado a dar relevo ao lado socialmente degradado da área e não prestara a devida atenção ao projecto de requalificação Hope VI – em boa medida, apenas mais uma manobra de gentrificação e exclusão –, assim “ofendendo e rebaixando os habitantes locais”. Pior, nem sequer “procurara espaço para dar respostas ou propôr soluções”. O que, para além de demonstar que, mais do que o horror real, intolerável é a “má imagem”, provavelmente, acabará, um dia, por obrigar músicos, autores ou jornalistas defensores de pontos de vista controversos, a incluirem, juntamente com as denúncias, respeitosas propostas de melhoramentos.
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