16 September 2015

RUÍNAS 


“Como se faz o alinhamento de um concerto dos Apartments? Aceitam-se algumas sugestões. Pega-se numa tesoura. A seguir, cortam-se cuidadosamente os títulos e colocam-se todos num saco. Agita-se delicadamente. Retiram-se, então, um após outro. Copiam-se pela ordem em que saíram do saco. 'Et voilá', o alinhamento será a minha cara – um autor infinitamente original de encantadora sensibilidade, embora nem todos estejam de acordo (com pedido de desculpas a Tristan Tzara)”. É o género de post que é possível ler na conta de Facebook dos Apartments, isto é, de Peter Milton Walsh, que, algures, perante comentários de que nunca publica nada pessoal, responde “O que poderia ser mais pessoal do que uma canção?”, mas, cedendo, “vira uma página” e coloca uma fotografia do cão, Teddy, “ouvindo-me ler as críticas a No Song, No Spell, No Madrigal e a lista de datas da digressão francesa dos Apartments”. A primeira das quais será a 19 de Setembro, “em Saint-Lô, a ‘Capital das Ruínas’, como lhe chamou Beckett. Não é coincidência”.



Não é mesmo. Se o texto de Samuel Beckett lidava com a “humanidade em ruínas” que avistou na cidade da Normandia, arrasada pelos bombardeamentos da segunda guerra mundial, não é despropositado dizer que todas as canções de Peter Milton Walsh são o muito pouco que conseguiu salvar dos escombros da sua demasiado humana individualidade. Talvez por isso, em 37 anos, não tenha registado mais de oito álbuns e, à excepção de França e de meia dúzia de células clandestinas de admiradores dispersas pelo planeta, continue virtualmente inexistente. Em 2012, a meio de outra tournée francesa, aceitou o convite da Radio France para gravar sete canções, sessão de que, no Record Store Day do ano seguinte, a Talitres publicaria 449 cópias em vinil, rapidamente esgotadas. Acompanhado por Amanda Brown (ex-Go-Betweens), Nick Allum e Wayne Connolly, Seven Songs – "Things You'll Keep", "Thank You For Making Me Beg", "World of Liars", "On Every Corner", "Mr. Somewhere", "Everyday Will Be New" e "All You Wanted" – é, agora, reeditado em CD, pronto para, uma vez mais, nos fazer ajoelhar. Na contracapa, fotografada por Raymond Cauchetier nas filmagens de À Bout de Souffle, Jean Seberg, dá-nos o golpe de misericórdia.

4 comments:

pcristov said...

Maravilha. Não os conhecia. Obrigado.

pcristov said...

Este "No Song, No Spell, No Madrigal" é um assombro. Que regresso mais inspirado.

pcristov said...

Ok, vi agora que escreveste sobre o disco há uns bons meses atrás. Distracções.

João Lisboa said...

:-)