PARA QUINZE PESSOAS
Deverá haver quem, por esta altura, imagine que Momus terá já metido os papéis para a reforma. Não que, mesmo quando, na segunda metade dos anos oitenta, publicou Circus Maximus, The Poison Boyfriend, Tender Pervert e Don’t Stop The Night, se tenha sequer aproximado do final do corredor que dá acesso à transição de personagem de culto segredado para candidato a pop star. De onde em onde, alguém achava apropriado atribuir importância aquela espécie de síntese improvável entre Cohen, Brel, Bowie, Weill, Gainsbourg e, a partir de certa altura, Pet Shop Boys, capaz dos mais requintados jactos de sarcasmo (“If you get no joy from music hall, remember there is always alcohol, and if you get no joy from gin, here is the abyss: jump in!”), minuciosas explorações devassamente antropológicas (“What is the cultural meaning of coming in a girl's mouth?”) ou a entomologia social de tipos como o “maoist intellectual” (“My downfall came from being three things the working classes hated: agitated, organised and over-educated”). Mas nada que lhe garantisse, ao menos, o lugar de assessor do bem mais famoso discípulo, Jarvis Cocker.
Na verdade, Momus, aliás, Nicholas Currie, criador do lema distorcidamente warholiano, “In the future, everyone will be famous for fifteen people", nunca parou: nomadeando entre o Reino Unido, Paris, Nova Iorque, Berlim e Tóquio – seria aqui que, realmente, se tornaria “big in Japan”, em plena onda Shibuya-kei, a dos Pizzicato 5, Cornelius e Kahimi Karie, para quem comporia diversas canções –, editou, no total, 30 álbuns, colaborou com a “Wired”, “New York Times” e “Art In America”, deu aulas de sound-art na Universidade de Hokkaido, participou em conferências, foi “unreliable tour guide” no Whitney Museum, na Schrin Kunsthalle, de Frankfurt, e no Museu Nobel, de Estocolmo, publicou quatro livros, teorizou e polemizou na blogocoisa. E, este ano, após ter lançado o triplo Turpsycore, anuncia o novo Glyptothek e o romance Herr F (Everything Living Forever is Screaming Forever), uma variação sobre o tema de Fausto. Naturalmente, com o miserável número de caracteres que me resta até bater no fundo desta coluna (que terá, inevitavelmente, sequência), apenas adiantarei que o 2º e 3º CD de Turpsycore são dedicados a David Bowie e Howard Devoto, o misantropo pós-punk, ávido de Kafka e Dostoievsky. (continua aqui)
3 comments:
"Naturalmente, com o miserável número de caracteres que me resta até bater no fundo desta coluna (que terá, inevitavelmente, sequência),"
Em Coimbra, há umas duas décadas, existia uma tipa que chegava à Praça da República no seu carro (bom, mais chapa amolgada que carro :) e, assim que se apercebia dos primeiros 96cm disponíveis em largura, enfiava por ali e estacionava. Devias fazer o mesmo com a tua coluna. Ultrapassando as questões temáticas, acho mesmo que as inúmeras páginas por onde se passeia o Silva, que já leu mais do que respirou, segundo parece, estão mesmo a pedi-las :)
Em preparação: http://cl.jroo.me/z3/2/U/8/d/a.baa-the-car-shark.jpg
Coool! :)
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