A ELEGÂNCIA, NÃO A PAIXÃO
No curso de Literatura Inglesa e Filosofia da Universidade de Glasgow de 1981, Lloyd Cole era o tipo que jogava golfe, ia para as aulas de fatinho completo e fumava John Player’s sem filtro. Já tinha andado por Direito, no University College de Londres, mas não lhe tinha parecido um nicho ecológico da academia particularmente à sua medida. Em Glasgow, mesmo tendo chegado ao 2º ano do curso, Cole, contudo, dificilmente conseguia fugir à sua natureza oculta de "music trainspotter”: “Eu fazia as palavras cruzadas do ‘New Musical Express’ mais depressa do que qualquer outro da minha turma e conhecia todos os discos que todas as bandas ‘cool’ tinham publicado entre 1970 e 1980. Era, realmente, uma tristeza, mas a minha vida era assim”, contava ele, ao “Independent”, em 2003.
Não seria, por isso, verdadeiramente imprevisível que o moço que sonhava, em simultâneo, com os Joy Division, James Brown, Booker T, Isaac Hayes e os Chic, mais tarde ou mais cedo, afixasse num placard da associação de estudantes um anúncio em busca de um teclista que fosse fã dos Television e Talking Heads. Respondeu Blair Cowan, adepto dos Kraftwerk, Steely Dan e Vangelis. A seguir, chegou Neil Clark, guitarrista profundamente convicto de que, em White Music, dos XTC, Andy Partridge soava exactamente como uma tradução punk de McCoy Tyner, e, pouco depois, o baterista Stephen Irvine (falhara, por uma unha negra, a hipótese de substituir Topper Headon, nos Clash) e o baixista Lawrence Donegan (ainda fresco de ter sido corrido dos Bluebells).
Entretanto, antes, apenas com o trio inicial, já tinha ocorrido o satori criativo quando, em poucas semanas, "Are You Ready to Be Heartbroken?", "Perfect Skin", "Charlotte Street" e "Forest Fire", emergiram definitivas e perfeitas e, assim, criaram Lloyd Cole & The Commotions, mais do que eles as criaram a elas. Cole, hoje, confessa como "Perfect Skin" nunca teria podido existir, se, por essa altura, ele não vivesse embriagado de Dylan e de "Subterranean Homesick Blues" e, há doís anos, por ocasião da morte de Lou Reed, afirmava que, não fora este, e ele, provavelmente, teria “acabado como professor de matemática”.
Porém, no caminho que conduziria ao fantástico álbum de estreia, Rattlesnakes (1984), havia muito mais do que vénias aos mestres: o jovem literato, adepto de Raymond Carver e Joan Didion, fora capaz de reinventar uma pop para gente que sabe divertir-se tanto do pescoço para baixo como para cima, segundo a orientação que, há cinco anos, aquando da publicação de Broken Record, ele próprio me desvendaria: “Os Commotions sempre se dedicaram a formas musicais americanas submetidas a uma estética europeia. Se reparar nas diferenças entre os R.E.M e os Commotions – que tocavam tipos de música semelhantes –, na música deles havia qualquer coisa que os aproximava mais dos Allman Brothers do que dos Rolling Stones. Os Commotions, apesar de tocarem pop, partilhavam com os Stones o facto de tocarem música americana com uma estética britânica: interessava-nos mais a elegância do que a paixão, interessava-nos a concisão”.
Havia, no entanto, uma inesperada pedra no caminho, na qual os Commotions haveriam de tropeçar. Ia a banda em alto voo pelos tops, quando Donegan confessou que, ele em particular (e também o grupo, em geral), sofria(m) de um síndroma raro: ao contrário do cliché habitual que garante que um crítico musical não é senão um músico frustrado, eles eram, de facto, críticos musicais falhados. Daí que, ninguém como eles, tenha jorrado tanta injusta bílis sobre o seguinte Easy Pieces (1985) – e, mais venenosamente, sobre a dupla de produtores Langer & Wintanley – mas também, embora em menor grau, em relação ao derradeiro Mainstream (1987). Até quanto ao mais que perfeito Rattlesnakes, em 1993, Cole rabujava acerca do vibrato da sua voz que teria transformado o álbum “numa fotografia óptima mas que saiu ligeiramente desfocada, um pequeno detalhe que pode estragar tudo”.
Quase inevitavelmente, em 1989, os Commotions chegariam ao fim. Lawrence Donegan viria mesmo a ser crítico musical no “NME” e “Record Mirror” (e, posteriormente, de golfe, no “Guardian”), Blair Cowan é engenheiro informático, Neil Clark compõe para cinema e televisão e Lloyd prossegue uma discretamente magnífica carreira a solo: "Tenho uma ridícula vida paralela em que sou um especialista de golfe. Num livro que li, explicavam que, para desenhar um campo de golfe, é indispensável ter instinto artístico e talento matemático. Como, na escola, era um prodígio em matemática, talvez devesse ir por aí. Recordo-me, porém, claramente da primeira vez que passeei por Londres e nenhuma cabeça se voltou. A sensação não foi boa. Podia ter ido comprar pornografia que o ‘Sun’ não se incomodaria a tentar fotografar-me. Mas, depois de 15 anos de rock, poderia eu fazer outra coisa? Quereria eu fazer outra coisa?” A história toda, contada em 5 CD, um DVD e um "booklet" de cerca de 50 páginas, com as proverbiais raridades, inéditos e lados B, pode ser recordada em Collected Recordings 1983-1989. Mas continuamos impreparados “to be heartbroken”.
8 comments:
80s década perdida uma treta. E para ajudar à festa (como se fosse preciso), deixo esta pérola:
https://www.youtube.com/watch?v=TxXYqXm2ZvI
"Década perdida"? Tolice.
http://lishbuna.blogspot.pt/2015/01/blog-post_80.html
Era uma das minhas bandas favoritas e o "Rattlesnakes" foi dos poucos discos que também comprei em cd.
E também foi o primeiro concerto "a sério" que vi. No pavilhão Infante de Sagres no Porto. À pinha e de isqueirinho na mão :-)
PS. Os The The em cima lembrados era outra. Primeiro vinil comprado após trabalho de Verão, "Soul Mining" :-)
MCS, chega-te para lá, eu é que também quero dizer que the eighties, the eighties, mas sem a parte do isqueiro (primeiro, não me deixavam sair à noite, segundo, não tinha massa para concertos, terceiro, comecei a fumar mais tarde, quarto, sou pouco de luzinhas).
Ai o caraças! :)
Nunca entenderei este amor/ódio por décadas específicas. Mesmo dando de barato que as "décadas" sejam algo mais do que uma convenção, em TODAS as décadas houve óptima e péssima música e de todos os outros graus intermédios.
Nem eu, chega-te para lá :)
"em TODAS as décadas houve óptima e péssima música e de todos os outros graus intermédios"
Assim é.
Como os governos.
:-)
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