02 April 2015

CATARSE MANSA 

  
“Não escutem este disco se não forem capazes de digerir a realidade que ele contém. É muito explícito acerca de experiências da minha vida realmente terríveis mas, enquanto artista, sempre pretendi ser responsável e evitar comprazer-me na infelicidade ou actuar de modo exibicionista. Não desejo que quem o oiça se torne cúmplice deste meu poema em prosa depressivo. Apenas quis prestar homenagem a essa experiência. Não é um projecto artístico meu, é a minha vida”, disse, Sufjan Stevens, de um só fôlego, à “Pitchfork”, a propósito do último álbum, Carrie & Lowell. E, logo a seguir, sem pausa, descreve-o como “easy listening”. Será difícil acreditar mas não existe aí contradição nenhuma. Dedicar um álbum inteiro a exorcizar os demónios da ausência de uma mãe – Carrie, alcoólica, toxicodependente, esquizofrénica, morta há três anos, aquela mesma figura que, descreve Stevens em "Should Have Known Better", “when I was three, three, maybe four, she left us at that vídeo store” – e a procurar libertar-se do aterrador “black shroud holding down my feelings, a pillar for my enemies”, não é, sem dúvida, matéria para narrativas confortáveis. 



Mas, ao contrário desse outro pesadelo de desmesura equiparável que foi Music For A New Society, de John Cale (1982), em que, sem apelo, nos afundávamos num labirinto de partituras amarfanhadas e estilhaços estropiados de memória, moldura para um requiem de crueldade máxima, com Sufjan Stevens a catarse é mansa e doce, quase perversamente encantadora. Depois do mui problemático Age Of Adz (2010), inspirado na "outsider art" de outra alma desviante, Royal Robertson (aliás, Libra Patriarch Prophet Lord Archbishop Apostle Visionary Mystic Psychic Saint Royal Robertson), poderia supor-se que, para expulsar os seus fantasmas, ele voltasse a optar pela mesma estética de mosaico sonoro em desnorteada roda livre. Afinal, o que descobrimos é uma depuradíssima descendência de Seven Swans (2004), só voz, guitarra, piano e intertítulos à beira da desmaterialização, melodias de mel e palavras como feridas abertas. A editora é a de sempre: a Asthmatic Kitty, de Lowell Brams, o Lowell do título, fugaz esposo de Carrie, padrasto de Stevens e elo derradeiro com a “bridge to nowhere”

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