15 January 2015

77, HOJE


“Nós acreditámos no punk. Nós vivemo-lo. Continuamos ainda a vivê-lo!”, declara à “Mojo”, fremente de espírito revolucionário no casino de Monte Carlo, o líder daquela banda que, há meses, num arranjinho com a Apple, alojou compulsivamente o último álbum em todas as contas do iTunes. Por sinal, o mesmo Bono, dos U2, que prefere pagar impostos na fiscalmente acolhedora Holanda em vez da (nem por isso demasiado voraz) Irlanda natal – o que, em manifestações de protesto da Debt and Development Coalition Ireland, lhe permitiu escutar uma versão alternativa de “I Still Haven’t Found What I’m Looking For”: “I know avoiding tax ain’t fair, it’s just because I’m a millionaire, (...) ‘cause I still will not pay to end poverty” – mas, há semanas, em homilia aos fiéis, pregou que “o capitalismo é uma máquina cega e a nossa obrigação é garantir que proporcione o progresso de todos e não apenas daqueles que estão aos comandos”. Três parágrafos antes, na peça da “Mojo”, lamentava o desaparecimento precoce dos Clash que teriam sucumbido à pressão “de serem politicamente correctos num grau insustentável”.


Esperemos, então, que, para refrescar a memória acerca desses anos, não tenha perdido a oportunidade de ver The Clash New Year's Day '77, exibido pela BBC4 no passado dia 1 (mas ele já anda por aí, no YouTube). Realizado por Julien Temple, combina material recolhido quando ainda aluno da National Film School com imagens de televisão que documentam o ano de 76, aquele em que o Reino Unido se viu intervencionado pelo FMI, o caldo de cultura em que germinaria o thatcherismo começava a ferver... e o punk explodiu. Em Abril de 77, o grupo do filho do diplomata Ronald Mellor (John Graham Mellor, aliás, Joe Strummer), publicaria o álbum de estreia mas, naquela altura, preparava-se para o concerto de Ano Novo no Roxy Club que, durante 100 dias, seria o epicentro da insurreição. O mundo mudou muito mas como soam terrivelmente actuais “Career opportunities are the ones that never knock” ou "All the power's in the hands of people rich enough to buy it, while we walk the street too chicken to even try it (…) Are you taking over or are you taking orders? Are you going backwards or are you going forwards?"!...

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