OUTRA VERDADE
Por trás do conceito de álbuns (ou concertos) "unplugged", existiu sempre a ideia de que, ao privarmos uma canção da utilização de instrumentos eléctricos bem como de todas as possibilidades de modelação e de introdução de um maior nível de complexidade que a utilização dos recursos de um estúdio possibilita, se conseguiria, enfim, revelar a sua natureza profunda, a essência última que, ocultada sob esses “artifícios”, nunca teríamos podido, seguramente, apreender. Um exercício militante de “autenticidade” que, do mesmo modo, nos poderia conduzir a defender que, para desvendar, em definitivo, o enigma do sorriso de Lisa Gherardini, bem mais útil do que a tela de Leonardo, teria sido uma radiografia da jovem esposa de Francesco del Giocondo. Ou, voltando à música, que só escutando Kontakte, de Stockhausen, numa versão para cavaquinho e didgeridu, teríamos a noção da importância dessa peça. Na realidade – à excepção de 4’33”, de Cage, única obra sobre a qual as mais desvairadas versões nunca interferirão com o original –, nada haverá de ser considerado, a priori, heresia ou profanação, reservando-se o veredicto para o que da reinterpretação resultar.
Para Acoustic Classics, Richard Thompson possui, além do mais, uma óptima justificação: o anterior álbum, de Fevereiro de 2013, não só se intitulava Electric como fazia inteiramente jus ao nome. Daí que, equilibrar o yang de um com o yin do outro faça algum sentido, até porque, na sua extensa discografia “oficial”, desde Small Town Romance (1984), não existia outro exemplo do género. Thompson é "songwriter" da estirpe dos maiores (anunciar que se trata de “classics” não é imodéstia, constata apenas um facto) e guitarrista, eléctrico e acústico, residente no Olimpo das seis cordas. Por outras palavras, ouvi-lo revisitar 14 das suas canções exclusivamente com voz e guitarra será sempre uma bênção. O único senão reside no facto de quase metade serem oriundas de I Want To See The Bright Lights Tonight (1974), Pour Down Like Silver (1975) e Shoot Out The Lights (1982), álbuns concebidos para a articulação das vozes de Richard e Linda Thompson e destas com uma riquíssima variedade de instrumentos executados pela "crème de la crème" do folk-rock britânico da época. Assim, despidas, não deixam ver uma verdade maior. Quando muito, outra verdade.
2 comments:
Olá João, gabo-lhe a paciência, já poucos (infelizmente)o devem ler, os jovens estão noutra onda, mais no tipo daqueles concertos de DJ, pena que não percam tempo a ouvir um disco deste, ou ler este texto de sua autoria http://queimador-recortesretalhos.blogspot.pt/2011/05/jornal-expresso-richard-thompson.html, e ouvir o disco ao mesmo tempo.
Acabo de renovar a minha assinatura do Expresso por um ano, e o Expresso bem lhe pode agradecer.
Um abraço, Mário João R&R
"já poucos (infelizmente)o devem ler, os jovens estão noutra onda"
Mas eu - juro! - nunca escrevi "para jovens"...
"http://queimador-recortesretalhos.blogspot.pt/2011/05/jornal-expresso-richard-thompson.html"
Vou já dar-lhe uso.
"Acabo de renovar a minha assinatura do Expresso por um ano, e o Expresso bem lhe pode agradecer"
Vou ficar à espera dos agradecimentos... :-)
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