10 September 2014

CONTEMPORÂNEOS 


Pode dizer-se que tudo terá começado num ponto algures entre o surgimento, na década de 60, dos minimalistas norte.americanos – La Monte Young, Steve Reich, Terry Riley e Philip Glass – e a constituição do Kronos Quartet (1973). Ignorando o interdito que amaldiçoava o regresso ao tonalismo na música contemporânea – Boulez explicou-o enquanto resultado do primitivismo e deseducação do público americano e Elliott Carter comparou-o à propaganda hitleriana –, uma nova geração de compositores e intérpretes (essencialmente, em "ensembles" de câmara), até hoje, não mais parou de reconfigurar a expressão musical, integrando e assimilando todos os vocabulários, do Renascimento, ao Barroco, aos vários modernismos, ao rock e ao jazz. De ambos os lados do Atlântico, fomo-nos apercebendo das diversas vias propostas por Michael Nyman, Regular Music, Lost Jockey, Andrew Poppy, Penguin Cafe Orchestra, Gavin Bryars, Soft Verdict, Brian Eno, Balanescu Quartet, yMusic, Brodsky Quartet, Bang On a Can e inúmeros outros. 


Bryce Dessner (dos National) já havia gravado Aheym (2013) com os Kronos e, agora, num álbum partilhado com a Suite From There Will Be Blood, de Jonny Greenwood (Radiohead), e integrado na Filarmónica de Copenhaga (Deutsche Gramophon), oferece “St. Carolyn By The Sea”, “Lachrimae” e “Raphael”. Se Dessner tanto se reivindica de John Dowland como de Bartók ou Reich, Greenwood invoca Copland, Penderecki e Ligeti. Mas ambos desmontam, em definitivo, o mito do músico de rock como diletante frívolo na arena dos clássicos.


Exactamente o mesmo que deverá dizer-se de Music For Heart And Breath (também da Deutsche Gramophon), de Richard Reed Parry (Arcade Fire), que, com os Kronos, yMusic, os gémeos Dessner, Nico Muhly e estetoscópios no lugar da batuta do maestro, ensaia uma belíssima síntese de Pärt, Reich e Eno e um vasto etc à volta.


Footfall, do Quest Ensemble (qensemble.bandcamp.com), trio de violino (Preetha Narayanan), violoncelo (Tara Franks) e piano (Filipe Sousa), pelo seu lado, da academia – Guildhall School of Music & Drama – para a performance multimedia, viaja entre Vaughn Williams, Reich, o pós-rock, a tradição popular e a "film music", articulando optimamente escrita colectiva, improvisação e o manifesto desejo de integrar o ritmo urbano como matriz de composição.

2 comments:

Manuel said...

“fomo-nos apercebendo das diversas vias propostas por …e inúmeros outros.”
Nos outros cabe o disco de John Lurie para o “Stranger than Paradise” de Jim Jarmush.É certo que já é de meados de 80 ( na excelente colecção Made to Mesure da Crammed) e (talvez) um caso isolado na obra dele, mas ainda assim fica bem ao lado destes. Gostei muito.
Deutsche Gramophon: Max Richter (ok, vem da electrónica e não do rock) passa a estar tb no catálogo da DG e tem direito a uma caixa com 4 cds do período anterior. Parece bem interessante. Um registo diferente destes nomes que refere. Só conheço um disco (Infra, FatCat Records, 2010) e fiquei encantado, por assim dizer.Que acha?
Excelente texto e entrevista que me tem levado até ao Spotify para ouvir musica que não ouço frequentemente. Até tem aumentado a minha produtividade no trabalho…!
Abraço, Manuel Carvalho

João Lisboa said...

"Até tem aumentado a minha produtividade no trabalho"

Não sei se isso é necessariamente bom...

:-)