27 August 2014

NENHUM GÉNERO 


“Quando comecei a publicar a minha música e ninguém sabia quem eu era, li comentários como ‘nunca ouvi nada parecido com isto, não se inclui em nenhum género’. Seis meses depois, surgiram fotografias minhas, e a opinião passou a ser ‘Ah, é R&B’, diz ao “Guardian” Tahliah Barnett, aliás FKA twigs, mestiça britânica de ascendência jamaicana e espanhola. Os preconceitos gostam de ser afagados mas, no caso de twigs, ficar-se por aí é um intolerável abuso: se fosse absolutamente necessário encontrar-lhe uma proximidade estética, muito mais plausível seria evocar o Tricky de Maxinquaye, os Portishead, ou a Björk de Homogenic. Mas, mesmo indo por aí, errar-se-ia ainda o alvo por muitas léguas. Porque o que nos anteriores EP1 e EP2 e, agora, em LP1, se descobre é aquilo que na mutante relojoaria digital do assombroso "Pendulum" ela confessa: “I dance feelings like they’re spoken”.



E, partindo de "Preface" – algo como uma Meredith Monk em órbita –, em que cita o poeta do século XVI, Thomas Wyatt (“I love another and thus I hate myself”), parece entregar-se a um ensaio distorcido sobre um tema sugerido por Björk em "Enjoy": “Sex without touching”. Simultaneamente sensual e incorpórea, numa narração impressionista com tanto de carnal como de artifício tecnológico e onde a obsessão detalhista se exibe em redução ultra-minimal, tudo se joga entre submissão e dominação, ascese e êxtase (“My thighs are apart for when you’re ready to breathe in”, “I want to fuck you like an animal”, “ How would you like it if I sucked before I bite”, “You get me closer to god”), espécie de magnífica oração carpocrática futurista, só osso e tecido conjuntivo sonoro numa TAC em "slo-mo".


Quase à mesma altura, eleva-se Neuroplasticity, de Cold Specks, heterónimo de Al Spx, igualmente "nom de plume" da canadiana residente em Londres de que não conheceremos o nome real mas que, asseguram-nos os vendedores de kits de catalogação, pratica a “doom soul” e/ou “morbid Motown” e em cuja alma coabitariam Tom Waits, Nick Cave, PJ Harvey e Macy Gray. Não será inteiramente errado mas, tal como com twigs, o espesso crepúsculo e as maldições que por aqui pairam (“I smother you with silence until you choke on dead air”) são infinitamente mais densos do que o que se deixa arrumar em uma ou duas fichas de arquivo.

2 comments:

alexandra g. said...

É tão, mas tão bonita.

João Lisboa said...

Yup.