13 August 2014

A LEI DO MENOR ESFORÇO 


Morrissey meteu-se num enorme sarilho com a publicação da sua Autobiografia em Outubro do ano passado. Já tínhamos todos, evidentemente, a noção de que, em matéria de autores de canções capazes de lidarem virtuosa e eruditamente com a linguagem, no perímetro pop, não havia assim tantos capazes de se elevarem ao nível do fundador dos Smiths. O problema é que, desde aquele volume editado pela “Penguin Classics” que o colocou na companhia de Virgílio, Homero, Sterne, Borges e Pessoa, a fasquia elevou-se de tal modo que, a partir daí, só muito dificilmente poderiam tolerar-se passos em falso. Sim, enquanto literatura pura e dura, as "memoirs" eram boas demais para que não se estabelecessem, de imediato, novos parâmetros de avaliação. É verdade que, como toda a recente discografia de Morrissey, também a Autobiografia não era, integralmente, ouro de lei: a uma primeira parte absolutamente assombrosa de autêntica e vertiginosa espeleologia do passado seguia-se um venenoso e desnecessariamente extenso ajuste de contas com o universo em geral. 


E é, justamente, isso que obriga a reparar, como, por exemplo, na faixa-título de World Peace Is None Of Your Business, é embaraçoso escutar-se rimas adolescentes do género “Brazil and Bahrain, oh Egypt, Ukraine, so many people in pain” ou, em "The Bullfighter Dies", “Mad in Madrid, ill in Seville (...), gaga in Malaga, no mercy in Murcia, mental in Valencia”. Cinco anos depois de Years Of Refusal, o que incomoda não são as já previsíveis “inconveniências” de Morrissey – caso, aqui, da idiota misoginia de "Kick The Bride Down The Aisle", da “ciência política” de taxista de “each time you vote you support the process” ou do ridículo vegetarianismo de panfleto de “wolf down t-bone steak, cancer of the prostate” – mas sim a raridade de verdadeiras pérolas e o desleixo como, no plano de textos e música (entre um rock de mão muito pesada e a persistente tendência para o turismo sonoro no perímetro arábico-ibérico), ele parece ter-se rendido à lei do menor esforço. Com romance de estreia anunciado para breve, dir-se-ia que a escrita de canções passou a ser assunto menor. Para nos consolar, fica pouco mais do que a quase larkiniana "Oboe Concerto": “The older generation have tried, sighed & died, which pushes me to their place in the queue”.

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