"ÉRAMOS UMA BELA BANDA"
Do lado de lá da linha, Graham Nash saúda-me silabando meticulosamente o meu nome e, antes sequer de me deixar formular a primeira pergunta, faz questão de me informar que, no final dos anos 60 – estava ele ainda nos Hollies –, tinha passado férias em Albufeira, no Algarve. Por compaixão, não lhe explico que o lugar que conheceu tem pouco a ver com o campo de concentração para matilhas de turistas que, hoje, é, até porque não era essa a razão da conversa: o pretexto era, sim, a publicação de Crosby, Stills, Nash & Young Live 1974, um "box-set" com todas as mordomias habituais (3 CD, DVD, Blue Ray, "booklet", vinil) que documenta o famigerado “Doom Tour” que, após quatro anos de separação e vasta acrimónia, voltou a reunir o quarteto. Como adiante se verá, por motivos vários e, por vezes, opostos.
Numa entrevista à “Rolling Stone”, confessou que este tinha sido o projecto mais difícil de toda a sua vida...
Sem a menor dúvida. Por diversas razões. Em primeiro lugar, porque é muito difícil pôr quatro pessoas de acordo sobre alguns assuntos. Depois, do ponto de vista técnico, era uma tarefa muito complexa. Por exemplo, imagine que uma das duas vozes que cantavam para um mesmo microfone, estava ligeiramente desafinada. É impossível corrigi-la sem que isso afecte a outra. Para além disso, lidar com oito concertos, em oito salas diferentes, com dimensões e acústicas também muito variáveis e pretender que tudo soe como se se tratasse de um único concerto não é brincadeira.
E imagino que a obsessão de Neil Young pela altíssima fidelidade também deve ter sido outro grande problema?
Sim, sim, e abençoado seja. Só se satisfaz com o melhor. A atitude dele está completamente certa. Eu já tinha feito a mistura de, pelo menos, dez das canções quando o Neil entendeu que deveríamos optar pela máxima resolução possível. Tivemos de deitar fora essas dez e começar tudo de novo.
Concluído o processo, parece-lhe que o álbum apresenta uma versão bastante fiel de como os CSNY soavam, na altura?
Eu tinha ouvido um "bootleg" do concerto de Wembley e, francamente, não foi um grande concerto. Estávamos todos demasiado excitados, tínhamos consumido drogas a mais, não tinha sido grande coisa. Não queria que os nossos fãs pensassem que tinha sido sempre assim, noite após noite.
Não consumiam drogas todas as noites...
Consumíamos, sim (risos). Mas houve concertos melhores do que outros. O que eu fiz foi recolher a melhor interpretação de cada uma das canções a dei-as a ouvir ao Neil, ao David e ao Stephen que aprovaram a ideia.
Afirmou também, algures, que através deste registo, se poderá confirmar que os CSNY eram “a very, very decent rock band”. É nessa categoria que gostariam de ser recordados?
Exacto. Levávamos a música muito a sério. Acredito que a nossa música irá durar muito mais do que os nossos corpos físicos. Daqui a 50 ou 100 anos, ela continuará a ser escutada e quem o fizer aperceber-se-á de que éramos uma bela banda.
No entanto, em 1974, as relações entre vós estavam longe de ser as melhores. O próprio Stephen Stills terá dito que tinham feito uma tournée anterior por causa da música, outra por causa das miúdas mas que esta tinha sido só pelo dinheiro...
Era a opinião dele, não a minha. Não me interprete mal: é muito bom quando nos pagam uma pipa de dinheiro, não tenho nada contra. Mas não foi esse o motivo por que nos decidimos a tocar. Fizemo-lo porque tínhamos as canções, éramos quatro cantores e músicos fortíssimos e constituíamos uma das melhores bandas do mundo na altura.
Quarenta anos depois, em que medida lhe parece que a música dos CSNY poderá continuar a ser relevante?
Julgo que não poderia ser mais. Onde, antes, se falava acerca da guerra do Vietname, poderá falar-se, agora, das do Iraque ou do Afeganistão. O nosso absoluto ódio pela administração de Nixon é idêntico ao que sentimos pela de George W. Bush. Parece que a humanidade não aprende com a História. Muita gente qualificou-nos como uma banda política mas, na realidade, éramos apenas um grupo bastante humano. Quando se assassina a tiro quatro estudantes por exercerem o legítimo direito de protestar contra aquilo que o governo, em seu nome, faz, como aconteceu na Universidade de Kent State, no Ohio, em 1970, trata-se de política? Não, é uma história humana. Quando Robert Kennedy foi assassinado e David Crosby escreveu "Long Time Gone", é uma canção política? Não, é uma canção humana. Quando escrevi "Chicago", a propósito de a Convenção Democrática ter sido interrompida pelos protestos dos yippies e do nosso desejo de os apoiar e angariar fundos para a sua defesa, isso faz dela uma canção política? Não me parece, penso que se trata de uma canção humanista.
Já consegue ter um entendimento preciso daquilo que cada um de vós, individualmente, trouxe à banda?
Sim, sim. O David Crosby é um dos músicos mais singulares que conheci. Não escreve como eu ou o Neil ou o Stephen. Incorporou na música da banda, acordes e afinações diferentes que, não sendo jazzísticas, são muito particulares. Na minha opinião, o Stephen Stills é um génio: toca piano, guitarra acústica e eléctrica, baixo, escreve arranjos. O Neil Young transportou uma atmosfera mais negra e cortante para a nossa música. Quanto a mim, sempre quis assegurar que o trabalho aparecia feito. Sou inglês e, como sabe, durante a Segunda Guerra, a Inglaterra foi destruída pelos bombardeamentos. Isso desenvolveu em nós uma urgência de fazer o que tem de ser feito porque, amanhã, podemos já não estar cá. Musicalmente (na minha banda anterior, os Hollies, tivemos 17 singles no top 10), sei como escrever uma canção cuja melodia, uma vez escutada, não sai do ouvido. Por outro lado, quando a minha voz e as do David e do Stephen cantavam em harmonia, mais ninguém no mundo soava como nós.
Sente que, na música que se faz actualmente, existe alguma descendência vossa?
Nós fomos apenas um elo da longuíssima cadeia que começou algures quando, numa caverna alguém percutiu um tronco, e, daí prosseguiu até aos Weavers, Pete Seeger, Bob Dylan, Peter Paul & Mary, Phil Ochs... e, hoje, por exemplo, os Fleet Foxes ou os Mumford & Sons em quem escutamos – e, com isso, nos sentimos lisonjeados – ecos da nossa música.
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