09 April 2014

GIGANTES 


Foi em 8 de Maio de 1949 que Miles Davis, viajando pela primeira vez para fora dos EUA, visitou Paris para tocar na Sala Pleyel. No início do ano, havia iniciado o trabalho de parto que, só quase uma década depois, daria à luz Birth Of The Cool mas a dor verdadeira conhecê-la-ia na capital francesa. Como conta Richard Williams em The Blue Moment: Miles Davis ‘Kind Of Blue’ And The Remaking Of Modern Music, ele iria apaixonar-se perdidamente por uma miúda de 22 anos, Juliette Gréco, que Boris Vian lhe apresentou e que, em 1943, fora libertada da prisão de Fresnes onde a Gestapo a encerrara durante vários meses: “Gréco recorda-se que Jean Paul Sartre dissera a Miles ‘Porque é que vocês não se casam?’ Miles respondeu: ‘Porque a amo demasiado para a fazer infeliz’. Nesse momento, não era uma questão de infidelidade (Davis era casado e com dois filhos) ou de donjuanismo; era simplesmente uma questão de cor. ‘Se me tivesse levado para a América com ele, seria sempre vista como a puta de um preto’. No fim de Maio, Miles Davis regressa a Nova Iorque e, emocionalmente devastado, abandona a família e afunda-se na heroína.



Em Paris, já musa da "rive gauche" existencialista, Gréco hesita entre o teatro e a canção mas decide-se por esta quando Sartre (“Gréco tem um milhão de poemas na voz. Na boca dela, as minhas palavras transformam-se em pedras preciosas”) e Joseph Kosma lhe oferecem "Rue des Blancs-Manteaux". Dai em diante, de Vian a Prévert, Béart, Ferré, Brel, Brassens, Biolay, Gainsbourg, todos os grandes da "chanson" lhe passaram pela voz e, sucedendo a Miles Davis, a lista de corações despedaçados alargou também seriamente. Quando, em 2012, o "maîre" de Paris, lhe entregou a medalha vermelha da cidade fazia, de há muito, todo o sentido a dedicatória: “Juliette Gréco é a parisiense. A parisiense que encarna o tempo de Paris que nunca passa”. No fim do ano passado, Gréco Chante Brel, encontro de gigantes com vertiginosas orquestrações de Gérard Jouannest, demonstrava como, aos 86 anos não é impossível gravar um álbum que deixa a tremer os joelhos de quem o escuta. Se ainda forem a tempo, nos próximos 15 e 17 de Maio, Gréco apresentá-lo-á no Olympia de Paris. Caso falhem, não é caso para alarme: é bem provável que esses não sejam os seus últimos concertos.

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