19 March 2014

QUALQUER COISINHA DE PORTUGUÊS (XXV)



Momento imperdível no "intermezzo" dominical de "sit-down comedy" de Marcelo Rebelo de Sousa é aquele em que o Professor, possuído de arrebatamento patriótico, informa a nação sobre os feitos gloriosos do 12º D da escola secundária da Abelheira-Norte no torneio de batalha naval de Arnac-la-Poubelle, em França, canta a imortal gesta da empresa de jardinagem da Lourinhã que sacou um contrato catita para se ocupar das estrelícias na mansão do actor de Hollywood que aparecia em duas sequências de um "thriller" que esteve quase a ser nomeado para os Óscares em 1987, e cobre de louvores a poesia épica da jovem autora de Arganil cuja obra de estreia foi, na semana passada, referida numa nota de rodapé do suplemento literário da “Westmorland Gazette”, de Kendal, UK. Não é senão, no fundo, o eloquentíssimo porta-voz da mui profunda ânsia lusa de descobrir qualquer coisinha de português nos mais ínfimos recantos do cosmos que, por exemplo, recentemente, nos fez saber que, há 150 milhões de anos, o maior dinossauro carnívoro da Europa era português ou que, na medalha de bronze em saltos para a água dos Jogos Olímpicos de Londres, havia genes lusitanos (Meaghan Benfeito, a medalhada, tem antepassados açorianos mas nasceu em Montreal, os pais também, e só fala inglês e francês).

Sky Ferreira - Night Time, My Time

É, porém, de toda a conveniência não se deixar encandear pelo brilho fulgurante de tão heróicas sagas, como aconteceu, há pouco, com o Presidente Cavaco Silva – esse intrépido defensor dos valores da família – que, certamente por desleixo dos seus assessores, num encontro com a comunidade portuguesa do Canadá, atribuiu a comenda da Ordem do Infante D. Henrique a Nelly Furtado, autora e intérprete de "Promiscuous" (“Promiscuous girl, wherever you are I’m all alone and it's you that I want, promiscuous boy, you already know that I’m all yours, what you waiting for?”), intolerável atentado à moral e aos bons costumes (aliás, com pecaminoso vídeo a condizer). Seria bom que – atenção Professores Marcelo e Aníbal! –, o erro não voltasse a repetir-se, agora que o álbum de estreia da também luso-descendente Sky Ferreira (Night Time, My Time – só o título...) é publicado no Reino Unido: catraia com tamanha pinta de "heroin chic" e que, com tal impudicícia, exibe na capa de um disco o nada impante tórax, não deverá ser bem-vinda – os genes que se lixem! – na santíssima terra que acolheu de braços abertos a visitante da Cova da Iria.

2 comments:

Anonymous said...

Caso o Nick Cave esteja com falta de inspiração:

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Seguranca/Interior.aspx?content_id=3766021

b.w.

João Lisboa said...

Murder ballad em potência.

:-)